Mixto e Palmeiras jogavam no Dutrinha pelo Campeonato Cuiabano de 1954. O jogo avançava e ninguém estava entendendo por que o centroavante mixtense Leônidas, que chutava muito bem com os dois pés e era também um exímio cabeceador, não saía do meio de campo, só enrolando. Chutar para o gol que era bom nadinha de nada!
A certa altura do jogo, a defesa alviverde bateu cabeça quase no meio campo num ataque do Mixto e não restava outra alternativa para Leônidas: desmarcado e com a bola dominada, ele tinha que partir para o gol do adversário...
Leônidas avançou e quando chegou na entrada da área, deu uma freada, levantou a cabeça como se estivesse escolhendo o canto onde ia mandar a bola, e meio atrapalhado gritou para Fulepa: “Sai em mim, desgraçado, eu não posso marcar o gol... eu estou comprado...”
– Não posso, eu também estou!...” – respondeu Fulepa, outra lenda do futebol de Mato Grosso e hoje um bem-sucedido sitiante em Santo Antonio de Leverger, onde vive com a esposa Estevina Pereira da Silva Leite. O casamento já dura 50 anos e resultou em muitos filhos, netos, bisnetos...
Quem acompanhou de perto a curta passagem de Leônidas pelo futebol mato-grossense, como foi o caso do radialista Eugênio de Carvalho e do desportista e político Lenine de Campos Póvoas, do advogado Pedro Lima, não tem dúvidas em afirmar que o jogador foi o mais virtuoso centroavante que já pisou os campos de terra e de grama do futebol cuiabano.
O lendário Fulepa, que enfrentou Leônidas muitas vezes, lembra que além de muito habilidoso com a bola nos pés, o atacante era especialista em marcar gols de cabeça, usando a bunda para deslocar com uma gingada imperceptível o goleiro que subisse com ele e colocar a bola onde quisesse.
– Era na pura malandragem que ele fazia isso. Os goleiros reclamavam com os juízes que o Leônidas tinha cometido falta, mas eles nunca marcavam, porque não percebiam mesmo a sacanagem dele – recorda Fulepa, cujo nome é Fernando F. Leite. O estranho apelido surgiu quando ele ainda era menino na cidade de Três Lagoas-MS, onde nasceu. No linguajar dos moradores de sua acidade natal, o termo fulepa identifica pessoa que gosta de confusão, rolo, encrenca, características que sempre se enquadraram no perfil de Fulepa dentro do campo.
Sobre o episódio do suborno envolvendo Leônidas e Fulepa, afirma o ex-goleiro, cujo primeiro time em Cuiabá foi o Fluminense, do Terceiro, bairro destruído em 1974 pela enchente do Rio Cuiabá, que foram os torcedores que inventaram essa história. Essa e tantas outras muito conhecidas dos torcedores. Fulepa garante que nunca ligou para essas intrigas.
– Quem fala essas coisas de mim é porque não conhece a minha vida, a minha educação. Como filho de milico, fui criado dentro da caserna, onde fazia inclusive minhas tarefas escolares, e tive uma formação militar rigorosa – defende-se Fulepa.
Outro que não tem dúvida que Leônidas era um virtuoso com uma bola nos pés ou nas mãos – além de futebol, ele era um extraordinário jogador de basquete e de vôlei – é Pedro Lima, do Araguaia Esporte Clube. “O Leônidas era um gênio, capaz de numa fração de segundos imaginar e executar uma jogada que deixava os adversários perdidos” – afirma Pedro Lima.
Ele se lembra de um jogo que viu do Mixto, quando Leônidas fez uma jogada que deixou até os torcedores de boca aberta. Num cruzamento para a área de ataque do Mixto, Leônidas subiu no último andar para cabecear a bola para o gol. Mas, de repente, desistiu da jogada e deixou a bola bater no seu peito e com um leve toque colocou-a nos pés de um companheiro que fez um golaço. “O Leônidas era o Pelé daqueles tempos, um jogador simplesmente fabuloso...” – compara o até hoje diretor do AEC.
Revelado na década de 40, pelo Mixto, não demorou muito para a fama de Leônidas chegar aos grandes centros esportivos, como Rio de Janeiro e São Paulo. Naqueles tempos, muita gente saía de Cuiabá para cursar faculdades em outros estados e muitos estudantes, principalmente torcedores de clubes cariocas, procuravam seus técnicos para falar maravilhas de Leônidas.
Zezé Moreira, treinador do Botafogo, já tinha ouvido muitas pessoas falar das proezas de Leônidas com a bola, mas ficava calado, meio na dúvida sobre suas decantadas virtudes na arte de jogar futebol.
Um dia, o Botafogo contratou um ponteiro direito bom de bola chamado Maiolino. Com a convivência diária, Zezé Moreira descobriu que Maiolino era de Cuiabá e quis saber a verdade sobre Leônidas.
Depois da última conversa entre os dois, Zezé Moreira ligou para o presidente do Botafogo, Carlito Rocha, que morava em Niterói, e deu a ordem: “Venda esse encrenqueiro do Heleno de Freitas para o Boca Juniors que nós estamos contratando um centroavante de Mato Grosso muito melhor do que ele...”
Poucos dias depois, Leônidas já estava em General Severiano treinando no Botafogo e fazendo sucesso. A torcida alvinegra estava empolgada com a contratação do jogador que ia substituir o genial mas genioso Heleno de Freitas, então o grande ídolo do futebol brasileiro.
A estreia de Leônidas seria contra o América, em um domingo. A torcida do Botafogo não via a hora do time entrar em campo para mostrar sua nova estrela que ia substituir Heleno de Freitas...
Mas dois dias antes do jogo, Leônidas encontrou-se nas ruas do Rio de Janeiro com um alto dirigente do Mixto. Conversa vai, conversa vem, o dirigente lhe disse: “Domingo tem Mixto e Dom Bosco lá em Cuiabá, vai embora, rapaz...”
Após o contato na rua com o diretor mixtense, Leônidas foi procurar um centroavante de nome Zezinho, que estava sendo testado pelo Botafogo, para saber o que ele achava de sua volta para Cuiabá. De olho na vaga que ia se abrir no alvinegro com a venda já consumada de Heleno de Freitas para o Boca Juniors e o retorno de Leônidas para Cuiabá, Zezinho não vacilou: “Que é que você está esperando, rapaz? Cai fora, amigo!” – aliás, mui amigo...
Leônidas não teve dúvidas: foi para o aeroporto do Galeão e pegou o primeiro avião que decolou com destino a Cuiabá. Dizem amigos de Leônidas, cujo nome era Benedito Severo Gonçalves, que o jogador não suportou mesmo foi a saudade da culinária cuiabana – ventrecha de pacu, mojica de pintado, bolo de arroz, pão de queijo ... – e veio embora sem dar satisfação a ninguém.
Na realidade, porém – dizem também – Leônidas, que era muito chegado a boemia, não resistiu mesmo foi a saudade da vida inteiramente livre que levava em Cuiabá como jogador de futebol amador. No Botafogo, como profissional, não ia poder continuar vivendo na gandaia...
Tempos depois de sua volta a Cuiabá, um dia Pedro Lima foi assistir um jogo do Mixto e levou consigo Jamelim, um motorista do Expresso Cuiabano, que era também diretor do Uberlândia, de Minas Gerais. Jamelim ficou tão empolgado com o futebol de Leônidas que no outro dia, depois de um contato com a diretoria do time, colocou o jogador num avião de carreira e o mandou para o seu clube.
A estreia de Leônidas no seu novo time foi em um amistoso contra o Vasco da Gama, que na década de 50 tinha uma superequipe chamada de “Expresso”, integrado por craques como Barbosa, Danilo, Friaça, Ademir Menezes, Jair da Rosa Pinto e outros. O Vasco da Gama ganhou o jogo por 4x2. O goleiro vascaino passou o tempo todo gritando com a defesa para marcar Leônidas, mas não adiantou: ele fez os dois gols do seu time.
O jogo seguinte do Uberlândia foi contra o Atlético Mineiro. O clube do Triângulo Mineiro ganhou o amistoso de 3x0, todos os gols de Leônidas. O Atlético foi embora no dia seguinte, levando Leônidas em sua delegação. Naqueles tempos, o futebol ainda era bem amador e o jogador ia para onde bem entendesse...
A carreira de Leônidas no “Galo Carijó”, no entanto, foi curta: o centroavante sofreu uma lesão no menisco de um dos joelhos e ficou um tempão longe da bola. A contusão abalou profundamente o estado emocional de Leônidas, que nunca mais foi o mesmo. Para complicar sua situação, Leônidas passou a levar uma vida desregrada, o que provocou o encerramento precoce da sua fulgurante carreira.