Alguns jogadores do Dom Bosco, que estava realizando um rápido “tour” pelo Rio de Janeiro, depois do empate contra o São Cristóvão na preliminar do amistoso Brasil 1 x Áustria 0, na fase final de preparação da seleção canarinho para disputar o Campeonato Mundial de 1970 no México, estranharam quando na paradinha na praia de Copacabana o lateral direito Churica tirou de sua bolsa uma garrafinha de tampa de rolha e a encheu com água do mar...
De volta ao ônibus, o meia armador Franklin, bom de bola que só ele, intelectual, estudante de Direito, e um tremendo gozador, perguntou a Churica porque ele estava levando a garrafinha daquela água imprópria para consumo humano. E Churica explicou, educadamente, que estava atendendo a um pedido de sua avó, que vivia em Cuiabá, e queria sentir o sabor da água salgada do mar...
Franklin não perdeu a deixa e tascou: “A água do mar não é salgada, Churica! Salgada é a areia...”
Churica não vacilou: desceu do ônibus, esvaziou a garrafinha e a encheu de areia...
Ninguém teve coragem de contestar Franklin, com medo de sua língua ferina, claro...
O rápido “tour” pelo Rio de Janeiro, em ônibus fretado, foi um prêmio que o clube decidiu dar aos jogadores em reconhecimento à brilhante atuação que o azulão tinha tido contra o São Cristóvão na tarde daquele histórico dia 29/4/1970 – foi a primeira vez que um time de Mato Grosso pisou no Maracanã – no empate de 1x1. Tanto é que além dos protestos dos torcedores contra a arbitragem a favor do time carioca, a própria imprensa carioca admitiu que o Dom Bosco havia sido escandalosamente roubado...
Decorridos mais de 47 anos da exibição do Dom Bosco no Maracanã, até hoje muita gente não entende como um clube sem expressão no futebol brasileiro conseguiu o extraordinário feito de jogar no grande estádio carioca, justamente numa preliminar da Seleção Brasileira. Mas a façanha dombosquina tem uma explicação, sim...
Afilhado de batismo do presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, o presidente da Federação Mato-grossense de Desportos (FMD), Agripino Bonilha Filho, não perdia uma oportunidade para dar um toque no poderoso padrinho sobre o seu sonho de ver um dia um time de Mato Grosso, jogando no Maracanã. Em sua gestão, naturalmente... – entre 1969 e 1976.
Com a oficialização do amistoso do Brasil com a seleção austríaca, um dia Havelange falou do sonho de Bonilha Filho com Mozart Di Giórgio, diretor de Relações Internacionais, e Abílio D’Almeida, superintendente, respectivamente, da CBD. Com aprovação dos dois, o três pesos pesados da CBD decidiram na hora que um clube de Mato Grosso jogaria na preliminar do amistoso internacional e até escolheram seu adversário: o São Cristóvão, do qual D’Almeida chegou a ser presidente...
Claro que o fato de Bonilha Filho ser afilhado de Havelange pesou e muito na aprovação da preliminar, pois Giórgio e D’Almeida nem sabiam que existia em Mato Grosso um clube de futebol chamado Dom Bosco. Coube a Bonilha indicar o representante de Mato Grosso para enfrentar o São Cristóvão. E ele escolheu o Dom Bosco, que estava em boa fase.
No Rio de Janeiro, a delegação do Dom Bosco não ficou alojada em hotel e sim no 3º andar do Maracanã, onde os jogadores inclusive faziam suas refeições. Como a delegação tinha que cumprir rigorosamente os horários fixados pela administração do estádio para acesso às suas dependências, os jogadores não dispunham de muito tempo para conhecer a “Cidade Maravilhosa”, o que puderam fazer na segunda-feira, depois do jogo no domingo.
O chefe da delegação dombosquina, Giórgio Fava, recorda até hoje a preleção que o farmacêutico e supervisor do azulão, Fioravante Fortunato, fez ainda no alojamento, antes das instruções finais do técnico Álvaro Scolfaro ao time, falando sobre a responsabilidade da equipe numa preliminar de um jogo tão importante – o Brasil ganhou da Áustria, com um gol de Rivelino, de falta.
Lembrou Fortunato que o Dom Bosco era uma gotinha d’água na imensidão do oceano e por isso pediu o empenho de todos para o Dom Bosco fazer bonito e honrar o futebol mato-grossense. O pedido de Fortunato foi atendido além dos limites que a torcida dombosquina poderia esperar, com uma exibição de gala, mas o juiz não deixou o azulão ganhar ...