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quinta-feira, 27 de julho de 2017

Touceira, um jogador de 4 tempos...

Naquele distante 1954 apareceu no futebol de Mato Grosso, e foi convocado pelo técnico Jarbas Batista para defender a seleção mato-grossense, um jogador chamado Pedro Touceira. Falastrão como ele só, Pedro Touceira vivia dizendo com ar de superioridade que ele era o único profissional da seleção, pois já tinha jogado em várias equipes de fora de Mato Grosso na principal categoria do futebol brasileiro. O resto era resto...

Pedro Touceira jactava-se também de ser um jogador de 4 tempos, porque tinha fôlego para correr os 180 minutos como se a partida estivesse começando. Sua explicação para sua fantástica resistência: ele levava para a beira do campo uma moringa cheia d’água e uma rapadura. Quando começava a sentir cansaço, ele comia um pedaço de rapadura, tomava da água fresquinha da moringa e pronto: estava inteirinho de novo...

Ele gabava-se ainda de ter uma cabeçada potentíssima. E até jura­va que num dos treinos da seleção mato-grossense, num cruzamento para a área, ele cabeceou a bola com tanta força que o treinador Jarbas, que não havia acompanhado o lance, quis saber quem tinha chutado aquela bola com tama­nha violência no travessão que quase tinha derrubado o gol inteiro...

Terminada a longa fase de preparação da equipe, com muita dedica­ção do treinador Jarbas e dos jogadores, lá se foi a seleção mato-grossense para Minas Gerais enfrentar a mineira. O resultado do jogo o radialista e jornalista Romeu Roberto Memeu não se lembra, mas garante que Mato Grosso levou uma goleada daquelas de perder o rumo...

Mas há uma explicação para o fiasco: o jogo foi realizado no período noturno, no Estádio Independência, na época o maior de Minas Gerais, e os refletores foram o maior adversário dos craques mato-grossenses, que nunca tinham jogado à noite. Aliás, muitos deles nem sabiam que se jogava futebol à noite... 

Cada cruzamento para a área da seleção de Mato Grosso era um gol dos mineiros. Atrapalhado com o reflexo das luzes dos refletores, o arqueiro Dito Gasolina, que era vesgo, saía do gol feito barata tonta e não conseguia cortar ou pegar uma bola...

– Cadê a bola? – perguntava Dito Gasolina toda vez que via os joga­dores mineiros comemorando alguma coisa e a torcida fazendo a maior festa no Independência. 

– Olha para o fundo do barbante que você enxerga a bola! – respon­dia para Dito Gasolina quem estivesse mais perto dele...

A seleção de 1954 foi uma das mais fortes e competitivas que Mato Grosso formou nos bons tempos do futebol amador. O selecionado já havia eliminado Goiás e o Amazonas e tinha chances de desclassificar também Mi­nas Gerais se o jogo-returno fosse realizado em Cuiabá.

Mas como Cuiabá fica muito distante de Belo Horizonte e naqueles tempos o transporte aéreo era muito precário, o segundo jogo entre mato­-grossenses e mineiros foi marcado para o Estádio General Severiano, do Bo­tafogo, no Rio de Janeiro. Mesmo jogando à noite, Mato Grosso empatou por 2x2, resultado que custou sua eliminação.

O maior destaque do selecionado mato-grossense foi Zé Traçaia, que já era o vice-artilheiro do certame com 7 gols. A formação base da seleção era a seguinte: Dito Gasolina, Uir e Nascimento; Pacu, Bananeira e Muriaci: Lara, Uírton, Leônidas, Zé Traçaia e Dionísio.

(Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino).



terça-feira, 18 de julho de 2017

Torcedora queria festejar vitória do CEOV e acabou entalada em grade do Verdão...

Silvana: paixão doentia pelo Operário
Morando bem pertinho da então majestosa sede social do Clube Esportivo Operário Várzea-grandense, na Avenida Couto Magalhães, em cujas imediações ficava também a “república” do clube, desde que se entende por gente Silvana Pompeu é ardorosa torcedora do tricolor. É uma paixão que já dura mais de 30 anos e que contamina toda a sua família.

O doentio fanatismo de Silvana pelo CEOV custou-lhe algumas doloridas surras, o que acontecia sempre que sua mãe ficava sabendo que ela tinha ido para o Dutrinha ou o Verdão, geralmente às escondidas, em caçambas ou carrocerias de caminhões, sem nenhuma segurança. Muitas vezes, Silvana foi e voltou a pé para os dois estádios, inclusive à noite, junto com grupos de torcedores, que, como ela, não tinha dinheiro para pagar ônibus da velha Nova Era, que de nova só tinha mesmo o nome...

Menina pobre, Silvana recorda dos tempos em que só ficava olhando nos estádios e campos onde o Operário jogava os torcedores comendo sanduiches, salgados, pipocas, chupando picolés, tomando refrigerantes e ela só na vontade!...

Mas Silvana cresceu, progrediu na vida e passou a desfrutar de uma condição financeira bem melhor do que a de antes, o que lhe permite nos jogos do CEOV em Cuiabá consumir tudo que os vendedores saiam e ainda saem pelas dependências do Dutrinha, do demolido Verdão e agora Arena Pantanal oferecendo aos torcedores.

“Consumo de tudo... lembro-me daqueles velhos tempos, sinto saudades e hoje mato a minha vontade, comendo e bebendo nos estádios tudo o que não tive quando era menina...” – afirma Silvana.

Os tempos mudaram, mas sua paixão pelo tricolor, não! Se o CEOV joga, Silvana está no estádio. Com ou sem a família, formada por ela, o marido, quatro filhos, uma nora e um netinho recém-nascido, que por força do ambiente onde vive, certamente vai se tornar operariano roxo...

Seu fanatismo pelo o velho Operário levou Silvana a se meter numa situação extremamente vexatória, no Verdão. Fim de jogo do Operário com o estádio lotado – ela não se lembra contra quem, nem quando – e Silvana, ainda menina, decidiu se juntar ao numeroso grupo de torcedores que havia invadido o campo, com permissão das autoridades, para comemorar a vitória com os jogadores.

No entanto, para entrar no campo, ela tinha que passar por uma das duas altíssimas grades que separavam a geral da arquibancada coberta, onde ficavam autoridades, os endinheirados, as cabines de rádio, etc. Sem nenhuma chance de pular o obstáculo para chegar ao portão que dava acesso ao gramado, Silvana decidiu passar para o setor das sociais através de uma das grades...

Mas depois de passar primeiro o corpo pela estreita grade, Silvana se deu conta que estava entalada. Por mais que ela tentasse, sua cabeça não passava pela grade, nem seu corpinho de menina de 11 anos voltava para trás. Foi um tempão de angústia e aflição.

Pedir socorro, nem pensar: primeiro pela vergonha do duplo vexame e segundo porque, com a algazarra dos operarianos no estádio, ninguém iria ouvir mesmo seus gritos. Com muita dor e sacrifício, ela conseguiu se desentalar...

Acostumada a varar o Dutrinha e o Verdão, por não ter dinheiro para comprar ingresso, Silvana pulou muitas vezes o muro da sede social do Operário, na Couto Magalhães, para participar de comemorações de torcedores do clube. E não era só Silvana que fazia isso, pois muitas de suas amigas, pobres como ela, mas apaixonadas pelo tricolor, também pulavam o muro!...

Dos tempos de vizinhança com a “república” do Operário, Silvana guarda boas recordações de jogadores que passaram pelo tricolor e que sempre trataram com carinho as meninas e os meninos que moravam nas imediações. Entre eles, Silvana destaca Caruso, Dito Siqueira, Ivanildo, Adalberto, Upa Neguinho, Mão-de-Onça e Panzarielo, que chamavam carinhosamente de Panzá...

Naqueles velhos tempos do bom futebol profissional de Mato Grosso, Silvana participou de inúmeras comemorações de vitórias e conquistas operarianas, muitas das quais nas ruas, principalmente perto da sede social e que acabavam interditadas ao tráfego de veículos. Numa delas, que virou um grande carnaval, e varou a madrugada, ela levou tanto pisão nos pés descalços que algumas semanas depois ficou sem as unhas dos dez dedos...






sexta-feira, 14 de julho de 2017

Freiras de ouvidos sensíveis


Julho de 1946: para comemorar a retomada de Corumbá, que duran­te a Guerra do Paraguai tinha caído nas mãos das tropas do ditador paraguaio Solano Lopes, foi formada naquela cidade do sul do então Mato Gros­so indiviso uma seleção para realizar alguns jogos em homenagem aos heróis corumbaenses. Um dos times convidados para participar das comemorações foi o Mixto.
Um dia antes do jogo, disputado no dia 7 daquele mês, com vitória do Mixto por 4x1, e com direito a uma briga que envolveu todo mundo que estava no estádio, a delegação do Mixto embarcou para Corumbá. A viagem foi feita de avião pela extinta Cruzeiro do Sul, que cobria o trajeto Cuiabá-Corumbá. Para muita gente, uma novidade andar de avião!
Para chefiar a delegação num evento tão significativo não só para Co­rumbá, mas para todo Mato Grosso, a diretoria do Mixto convidou o presidente da Federação Mato-grossenses de Futebol, Álvaro Miguéis. Português radicado há pouco tempo em Cuiabá, às vezes Miguéis dava a impressão de que era bruto como uma porta.
Mas não era nada disso. Acontece que por falta de maior familiariza­ção com a nossa língua, de vez em quando ele despejava, inconscientemente, impropérios que revelavam um caráter que estava muito longe de ser o que Mi­guéis era de fato.
A delegação mixtense estava empolgada com a viagem de avião. Uma gozação aqui, uma piadinha ali, uma risada mais alta, a descontração foi toman­do conta de todo mundo. Não demorou muito e começou a surgir entre os joga­dores alguns destemperos verbais, palavras chulas...
No avião, três feiras que não estavam gostando nada do comporta­mento da delegação – ou parte dela – mixtense. Lá pelas tantas, uma das freiras quis saber quem estava na chefia dos jogadores. Identificado, lá se foi a freira queixar-se a Miguéis contra os palavrões que estavam ferindo os sensíveis ouvi­dos delas.
Miguéis, com muita tranquilidade, olhou para a religiosa e sentenciou. “Deixe estar, dona freira, que vou ordenar para os jogadores não falarem mais besteiras. E ai dos gajos que não me obedecerem: vão se fuderem comigo!...”

(Reproduzido do livro Casos de todos os tempos   Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino).