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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Apesar das ameaças e até agressões, o pequeno Euclides passou parte da vida apitando futebol e futsal

Euclides não tinha medo de
cara feia (Arq. pessoal)
Dos seus 65 anos de idade, completados em 2018, o pequeno (1,63m de altura e 60 quilos de peso), mas corajoso Ari Euclides Pereira, passou mais de 24 deles apitando futebol profissional e futebol de salão em Mato Grosso, numa brilhante carreira que começou em 1975 e foi encerrada em 2000. Claro que ao longo dessa caminhada pelo mundo da bola, Ari Euclides enfrentou muita barra pesada, como pressão de jogadores e dirigentes, ameaças e até agressões.

Mas, apesar de seu físico de jogador de sinuca, Euclides nunca se intimidou diante dos grandalhões desses dois esportes nos estádios e nas quadras. E quem ousou desafiar sua autoridade, pensando que ia encontrar moleza, acabou ajustando contas com os Tribunais de Justiça Desportiva das federações de futebol e de futebol de salão, além de passar pela vergonha da expulsão... 
– Antigamente, com a rivalidade que existia entre os clubes e o fanatismo dos torcedores era muito difícil apitar futebol profissional em Mato Grosso. Principalmente nos estádios Zeca Costa, em Barra do Garças e Luthero Lopes, em Rondonópolis, onde dirigentes e torcedores do Barra do Garças e do União faziam o diabo para seus times ganharem seus jogos – afirma Ari Euclides.

Sem contar que nos bons tempos do futebol de Mato Grosso, cujo declínio começou no final da década de 1980, existiam muitos jogadores malandros e catimbeiros, que não vacilavam em criar situações difíceis para juízes e bandeirinhas para tirar algum tipo de vantagem para seus clubes. Particularmente se estivessem perdendo. E por causa da pressão também da torcida, juízes e bandeirinhas acabavam pagando o pato. E como pagavam!...

Lembra Ari Euclides que há muitos anos passou pelo União, de Rondonópolis,  um zagueiro de nome Amarildo, que se aproveitando do seu físico avantajado, batia sem dó, nem piedade nos atacantes adversários e era também mestre em pressionar juízes e bandeirinhas.

Certa vez, Ari Euclides apitava um jogo entre o União e o Barra do Garças no Luthero Lopes. E logo aos três minutos deu um cartão amarelo para Amarildo. O jogador reclamou, mas sem apelar contra o juiz, como era seu costume. Veio o segundo tempo e antes dos 30 minutos, o jogador do colorado cometeu outra falta violenta e foi expulso de campo.

Foi uma expulsão estratégica – admite Ari Euclides  pois ele estava próximo de um grupo de policiais militares e não corria qualquer risco. E à medida que Amarildo caminhava em sua direção, ele ia se afastando de costas até ficar pertinho dos policiais.

– O senhor foi muito corajoso em me expulsar de campo – disse Amarildo a Ari Euclides. E foi embora para o vestiário...

Encerrado o jogo, de repente Ari Euclides, ainda no campo, viu o grandalhão Amarildo caminhando em sua direção. Ele pensou no pior, mas ficou firme, conversando com seus companheiros de arbitragem. Amarildo se aproximou, estendeu-lhe a mão e disse ao juiz: “Eu vim somente cumprimentá-lo pela sua coragem de me expulsar de campo. Uma coragem que esses cagões da Federação não tiveram até hoje...”

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Ivo de Almeida se inspirou em música de protesto contra a ditadura para criar o apelido de Upa Neguinho...


Upa Neguinho, o Odenir. (Arquivo pessoal)
Uma música de protesto composta por Edu Lobo e Gianfracesco Guarnieri e interpretada por Elis Regina, em 1968, naqueles tempos de arrocho da ditadura militar no Brasil, deu origem ao apelido de Upa Neguinho, um dos mitos do Clube Esportivo Operário Várzea-grandense, time que ele defendeu por mais de uma década, jogando ao lado de craques consagrados que marcaram época no futebol mato-grossense como Bife, Mão-de-Onça, Ruiter, Dirceu Batista, Gilson Lira...

E quem transformou o cidadão Odenir Moreira do Nascimento em Upa Neguinho foi o radialista Ivo de Almeida, o mais polêmico e respeitado locutor esportivo que Mato Grosso já conheceu. Acontece que quando Odenir veio para o tricolor em 1968, um ano após a profissionalização do futebol mato-grossense, estava em voga a música “Upa Neguinho” e cuja letra tinha muito a ver com os protestos contra o regime militar, pois falava de apanhar, ziguezira, desgraça, liberdade... 

Exímio driblador, Odenir, que ainda menino passou a defender o time do colégio dos padres, de Alto Araguaia, onde estudava no período vespertino, começou, inspirado numa finta que viu em um jogo do Araguaia Esporte Clube – ele não se lembra contra quem – a aperfeiçoar as pedaladas que anos mais tarde consagraram Robinho, do Santos e da Seleção Brasileira, como o “inventor” da jogada...

Odenir aplicava com tanta perfeição as pedaladas que o padre e professor  alemão Éric passou um tempão tentando aprender, com ele, a arte de fazer a jogada. Mas não deu certo. “Eu dava as pedaladas com a perna direita e saía do adversário pelo lado esquerdo... o que o padre não conseguia fazer, porque não era canhoteiro...” – lembra Odenir.

A atitude de Odenir, que batia com as duas mãos com indisfarçável raiva e força no gramado toda vez que sofria uma falta mais violenta, já defendendo o Operário Várzea-grandense como profissional, pode ter sido o motivo de Ivo de Almeida associar sua reação com a música “Upa Neguinho”. Um trechinho da música interpretada por Elis Regina: “Upa neguinho na estrada/ Upa pra lá e pra cá/ Vixi que coisa mais linda/ Upa neguinho começando a andar...”

Como o que tudo que Ivo de Almeida lançava ou inventava virava moda, ele passou a chamar Odenir de Upa Neguinho. O apelido foi se consolidando e que nunca mais Odenir se livrou dele. Até na comunidade rural onde atualmente passa a maior parte de seu tempo, em Santo Antonio de Leverger, ninguém sabe quem é Odenir, pois os moradores só conhecem o Upa Neguinho...

Enquanto defendia o time do colégio dos padres de Alto Araguaia, onde deu os primeiros passos no futebol, foi fundado o “Panterinha”, formado por jogadores jovens. O “Panterinha” era uma espécie de segundo time, também chamado de “cascudo”, do AEC, que era conhecido como o “Pantera do Leste”, por ser um grande time de futebol. E muito cedo, Odenir começou a se destacar no “Panterinha”, inclusive participando dos treinos do time principal.

De sua passagem pelo clube que o revelou para o futebol, Odenir lembra-se de algumas coisas curiosas e folclóricas. Uma delas: uma vez ele foi chamado pelo treinador para substituir o ponteiro esquerdo Joãozinho Pororoca em um jogo. E teve uma atuação tão destacada, coroada com a marcação de um gol, que nunca mais saiu do time. Ganhou a posição, mas perdeu a amizade de Pororoca, que nunca mais falou com ele...

Coletivo do AEC para mais um jogo importante no domingo: Odenir deu um drible tão desconcertante no seu marcador, o lateral direito Sílvio Maia, que o zagueiro, muito revoltado, deu-lhe um violento pontapé. Odenir reclamou da atitude de Sílvio Maia, que lhe disse na bucha: “Olha, aqui, moleque, você me respeita! Eu sou titular do time há muitos anos e não vou aceitar essas ofensas de quem chegou agora, entendeu?...”

Muito organizado, o AEC tinha uma academia, onde o pessoal treinava inclusive boxe. Um dia, o professor Hugo sugeriu que Upa Neguinho lutasse contra um adversário de nome Fernando. Ele topou a parada e ganhou o combate. E aí, incentivado, pelo próprio Hugo, decidiu enfrentar Miltinho, que o marcava nos treinos do AEC e era driblado de tudo quanto era jeito. Levou uma surra que faltou gente pra ver. Ao final do combate, Miltinho lhe disse: “Estou aliviado e completamente vingado da raiva que você me faz passar nos treinos...”

Além do AEC, onde despontou para o futebol em 1967, Upa Neguinho teve rápidas passagens pelo Guarani, de Adamantina-SP, Juventus-SP e Mixto. Mas foi no CEOV, cuja torcida considera Upa Neguinho um símbolo do clube, pela sua dedicação nos mais de 12 anos que defendeu o tricolor, que ele se realizou como profissional da bola, conquistando, inclusive, um título estadual, o de 1973.

De sua longa militância no tricolor várzea-grandense, Upa Neguinho guarda muitas e boas lembranças. Uma delas é sobre uma briga envolvendo o presidente Rubens dos Santos, o médico Fioravante e o zagueiro Gaguinho. Certa noite, na “república” do tricolor, que servia também de concentração do clube, Rubens dos Santos gabava-se de sua esperteza para lidar com os boleiros, garantindo que nunca era passado para trás. Até porque não economizava nas multas quando ele tinha que punir algum jogador que saía da linha...

Foi aí que Gaguinho caiu na besteira de dizer a Rubens dos Santos que o havia enganado às vésperas de um jogo importante do Campeonato Estadual, simulando que estava dormindo na “república” – conforme o presidente constatou numa visita noturna a todos os quartos – quando na realidade ele estava na rua farreando. Na sua cama, apenas roupas encobrindo um tronco de bananeira até o seu travesseiro... e o quarto na penumbra, sem lâmpada.

– Ah, é!... Então você está multado nos próximos três meses, Gaguinho – disse-lhe Rubens dos Santos, com cara de poucos amigos...

– Mas, presidente, já faz tanto tempo... e o senhor não vai encontrar apoio na lei esportiva para me punir desse jeito, com tanto atraso...     

– Não me interessa... a lei aqui sou eu! E você está multado em mais um mês por ter me enganado!... – vociferou Rubens dos Santos, encerrando a conversa.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Golpe do árbitro Ari Euclides em João Torres acabou com o atraso no pagamento de juízes da FMF

João Torres (à direita), com o
 ex-operariano
 Pulula. (Arquivo Zé Pulula)
O ano o ex-árbitro Ari Euclides Pereira não se lembra. Mas ele tem certeza que foi na primeira administração de João da Silva Torres, que presidiu a Federação Mato-grossense de Futebol em dois mandatos sucessivos, de 1980 a 1986.

Já fazia umas cinco ou seis rodadas que a FMF não pagava os juízes e muito menos os bandeirinhas que atuavam no Campeonato Mato-grossense de Futebol da 1ª Divisão. O pessoal cobrava João Torres, mas não adiantava: ele ia enrolando e não pagava mesmo a turma da arbitragem...

Um dia, Euclides foi falar sobre a situação do pessoal do Departamento de Árbitros com o diretor financeiro da FMF e administrador do Dutrinha, Palmiro Paes de Barros. Ao final da conversa, Euclides recebeu a boa notícia: o diretor da FMF ia pagá-lo...

Paes de Barros orientou Euclides para chegar bem cedo em sua casa, porque naqueles tempos de Verdão com até 40 mil torcedores e grandes rendas, João Torres madrugava na segunda-feira para pegar o dinheiro da FMF e que o funcionário federacionista levava não para a entidade, mas para sua residência, após o fechamento do borderô do jogo. Euclides chegou antes das 6h30 na casa de Paes de Barros para o acerto de contas.

Não demorou muito apareceu na casa Paes de Barros o presidente João Torres, acompanhado de Paulinho Yamagushi, uma espécie de assessor financeiro do maioral da FMF e tão enrolado como o seu chefe na federação. Quando ficou sabendo do acerto entre Paes de Barros e Euclides, Torres implorou para que o juiz lhe devolvesse o dinheiro, pois precisava muito daquela grana para pagar contas  e dívidas da entidade.

Não teve jogo. “Eu já assinei os recebidos e o dinheiro está no meu bolso e não vai sair dele. Hoje você se embananou...” – disse Euclides a Torres, encerrando a conversa.

João Torres ainda tentou com Euclides uma jogada para salvar sua cara: “Pelo amor de Deus, não diga aos seus companheiros que você fez esse acerto com o Palmiro...”

Foi à mesma coisa que Torres dissesse a Euclides: “Espalhe a notícia entre os árbitros!...”

Euclides não vacilou: passou a mão no celular e ligou para todo mundo para dizer que estava bonito na foto, com o dinheiro no bolso do acerto que tinha feito com Paes de Barros...

A porteira estava aberta para desespero do presidente da FMF. Com o golpe dado em João Torres, a entidade tratou de se organizar para pagar em dia seus prestadores de serviços, como os árbitros...