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Upa Neguinho, o Odenir. (Arquivo pessoal) |
Uma música de protesto
composta por Edu Lobo e Gianfracesco Guarnieri e interpretada por Elis Regina,
em 1968, naqueles tempos de arrocho da ditadura militar no Brasil, deu origem
ao apelido de Upa Neguinho, um dos mitos do Clube Esportivo Operário
Várzea-grandense, time que ele defendeu por mais de uma década, jogando ao lado
de craques consagrados que marcaram época no futebol mato-grossense como Bife,
Mão-de-Onça, Ruiter, Dirceu Batista, Gilson Lira...
E quem transformou o cidadão
Odenir Moreira do Nascimento em Upa Neguinho foi o radialista Ivo de Almeida, o
mais polêmico e respeitado locutor esportivo que Mato Grosso já conheceu.
Acontece que quando Odenir veio para o tricolor em 1968, um ano após a
profissionalização do futebol mato-grossense, estava em voga a música “Upa
Neguinho” e cuja letra tinha muito a ver com os protestos contra o regime
militar, pois falava de apanhar, ziguezira, desgraça, liberdade...
Exímio driblador, Odenir,
que ainda menino passou a defender o time do colégio dos padres, de Alto
Araguaia, onde estudava no período vespertino, começou, inspirado numa finta
que viu em um jogo do Araguaia Esporte Clube – ele não se lembra contra quem –
a aperfeiçoar as pedaladas que anos mais tarde consagraram Robinho, do Santos e
da Seleção Brasileira, como o “inventor” da jogada...
Odenir aplicava com tanta
perfeição as pedaladas que o padre e professor
alemão Éric passou um tempão tentando aprender, com ele, a arte de fazer
a jogada. Mas não deu certo. “Eu dava as pedaladas com a perna direita e saía
do adversário pelo lado esquerdo... o que o padre não conseguia fazer, porque
não era canhoteiro...” – lembra Odenir.
A atitude de Odenir, que
batia com as duas mãos com indisfarçável raiva e força no gramado toda vez que
sofria uma falta mais violenta, já defendendo o Operário Várzea-grandense como
profissional, pode ter sido o motivo de Ivo de Almeida associar sua reação com
a música “Upa Neguinho”. Um trechinho da música interpretada por Elis Regina:
“Upa neguinho na estrada/ Upa pra lá e pra cá/ Vixi que coisa mais linda/ Upa
neguinho começando a andar...”
Como o que tudo que Ivo de
Almeida lançava ou inventava virava moda, ele passou a chamar Odenir de Upa
Neguinho. O apelido foi se consolidando e que nunca mais Odenir se livrou dele.
Até na comunidade rural onde atualmente passa a maior parte de seu tempo, em
Santo Antonio de Leverger, ninguém sabe quem é Odenir, pois os moradores só
conhecem o Upa Neguinho...
Enquanto defendia o time do
colégio dos padres de Alto Araguaia, onde deu os primeiros passos no futebol, foi
fundado o “Panterinha”, formado por jogadores jovens. O “Panterinha” era uma
espécie de segundo time, também chamado de “cascudo”, do AEC, que era conhecido
como o “Pantera do Leste”, por ser um grande time de futebol. E muito cedo,
Odenir começou a se destacar no “Panterinha”, inclusive participando dos
treinos do time principal.
De sua passagem pelo clube
que o revelou para o futebol, Odenir lembra-se de algumas coisas curiosas e
folclóricas. Uma delas: uma vez ele foi chamado pelo treinador para substituir
o ponteiro esquerdo Joãozinho Pororoca em um jogo. E teve uma atuação tão
destacada, coroada com a marcação de um gol, que nunca mais saiu do time. Ganhou
a posição, mas perdeu a amizade de Pororoca, que nunca mais falou com ele...
Coletivo do AEC para mais um
jogo importante no domingo: Odenir deu um drible tão desconcertante no seu
marcador, o lateral direito Sílvio Maia, que o zagueiro, muito revoltado, deu-lhe
um violento pontapé. Odenir reclamou da atitude de Sílvio Maia, que lhe disse
na bucha: “Olha, aqui, moleque, você me respeita! Eu sou titular do time há
muitos anos e não vou aceitar essas ofensas de quem chegou agora, entendeu?...”
Muito organizado, o AEC
tinha uma academia, onde o pessoal treinava inclusive boxe. Um dia, o professor
Hugo sugeriu que Upa Neguinho lutasse contra um adversário de nome Fernando.
Ele topou a parada e ganhou o combate. E aí, incentivado, pelo próprio Hugo,
decidiu enfrentar Miltinho, que o marcava nos treinos do AEC e era driblado de
tudo quanto era jeito. Levou uma surra que faltou gente pra ver. Ao final do
combate, Miltinho lhe disse: “Estou aliviado e completamente vingado da raiva
que você me faz passar nos treinos...”
Além do AEC, onde despontou
para o futebol em 1967, Upa Neguinho teve rápidas passagens pelo Guarani, de
Adamantina-SP, Juventus-SP e Mixto. Mas foi no CEOV, cuja torcida considera Upa
Neguinho um símbolo do clube, pela sua dedicação nos mais de 12 anos que
defendeu o tricolor, que ele se realizou como profissional da bola,
conquistando, inclusive, um título estadual, o de 1973.
De sua longa militância no
tricolor várzea-grandense, Upa Neguinho guarda muitas e boas lembranças. Uma
delas é sobre uma briga envolvendo o presidente Rubens dos Santos, o médico
Fioravante e o zagueiro Gaguinho. Certa noite, na “república” do tricolor, que
servia também de concentração do clube, Rubens dos Santos gabava-se de sua
esperteza para lidar com os boleiros, garantindo que nunca era passado para
trás. Até porque não economizava nas multas quando ele tinha que punir algum
jogador que saía da linha...
Foi aí que Gaguinho caiu na
besteira de dizer a Rubens dos Santos que o havia enganado às vésperas de um
jogo importante do Campeonato Estadual, simulando que estava dormindo na
“república” – conforme o presidente constatou numa visita noturna a todos os
quartos – quando na realidade ele estava na rua farreando. Na sua cama, apenas
roupas encobrindo um tronco de bananeira até o seu travesseiro... e o quarto na
penumbra, sem lâmpada.
– Ah, é!... Então você está
multado nos próximos três meses, Gaguinho – disse-lhe Rubens dos Santos, com
cara de poucos amigos...
– Mas, presidente, já faz
tanto tempo... e o senhor não vai encontrar apoio na lei esportiva para me
punir desse jeito, com tanto atraso...
– Não me interessa...
a lei aqui sou eu! E você está multado em mais um mês por ter me enganado!... –
vociferou Rubens dos Santos, encerrando a conversa.