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domingo, 19 de junho de 2016

Volta do blog do folclore da bola


Após um longo período inativo, o blog www.folcloredofutebolmt.blogspot.com está de volta. E com o mesmo objetivo que levou a sua criação: levantar material jornalístico para que possamos escrever o segundo volume do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso e cuja primeira edição lançada em 2011, com 1 mil exemplares, esgotou-se rapidinho...
Na realidade, chegamos a pensar em desistir do nosso projeto, cujo objetivo é resgatar, através do folclore, a história do futebol de Mato Grosso. Uma história que começa em 1905, com a chegada a Cuiabá das duas primeiras bolas de futebol, o velho “capotão”, pelas mãos do padre salesiano dom Antônio Malan, embora os primeiros jogos só tenham sido disputados a partir de 1913.
A falta de apoio e também a insensibilidade de autoridades ligadas aos esportes e a cultura de Cuiabá e de Mato Grosso foram dois fatores que nos levaram a quase desistir de dar continuidade ao projeto. E para ser franco, foi uma pessoa que nada tem a ver com Mato Grosso que me convenceu a reconsiderar a decisão de deixar de pesquisar e escrever sobre o folclore do nosso futebol.
Em uma de suas muitas vindas a Cuiabá para acompanhar o andamento das  obras da Copa do Mundo de 2014, o então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, ficou sabendo, através do jornalista Sérgio Neves, durante um contato com a imprensa, da publicação do meu livro. E pediu que Sérgio Neves me localizasse para levar para ele no aeroporto um exemplar da obra.
Levei-lhe. Enquanto conversávamos, o ministro folheava o livro e antes de embarcar com destino a Brasília, com escala em São Paulo, para visitar as obras da Arena Corinthians, ponderou que eu não poderia, em hipótese alguma, deixar de dar sequência ao meu trabalho. E prometendo que ia ler o livro durante sua viagem de volta, chamou um dos seus assessores, determinando-lhe que providenciasse a publicação no síte do Ministério do Esporte de uma síntese da obra com a finalidade de incentivar jornalistas de outros estados a seguirem o exemplo de Mato Grosso.
Se o Rebelo leu ou não o livro, não sei. Mas deve ter lido e gostado, suponho. Tanto é que em fevereiro último o Ministério da Defesa, então sob o comando de Aldo Rebelo, prestou no Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx), na Urca,  no Rio de Janeiro, uma homenagem a centenas de pessoas por relevantes serviços prestados ao desporto militar do Brasil, entregando-lhes a Medalha Mérito Desportivo Militar. E, para minha surpresa, fiz parte da relação dos homenageados.
No meu caso, a lembrança do meu nome foi pelo fato de eu ter escrito o livro sobre o folclore do futebol de Mato Grosso, evidentemente. E ao que me consta, fui o único mato-grossense incluído numa lista com mais de 200 autoridades civis e militares agraciadas com a distinção pelo Ministério da Defesa. Infelizmente, porém, não pude comparecer a solenidade para receber a medalha, que me foi entregue dias depois pelo Correios.
É claro que para levarmos adiante o projeto de escrever um segundo volume sobre esse apaixonante assunto vamos ter que contar com a colaboração de quem viveu e vive ainda hoje intensamente o futebol a fim de nos relatar as histórias que conhecem para que eu possa, a exemplo do que aconteceu no livro publicado em 2011, sair em busca dos personagens dos “casos” que tanto enriquecem o futebol. Afinal, o folclore, também do futebol, apesar do seu sentido hilariante, tem que ser tratado com toda a seriedade...
E também, claro, com suporte financeiro, para custeio de viagens para pesquisas.  A exemplo do foi feito para cidades onde o futebol, tanto amador como profissional, já está consolidado, e que deram origem ao livro Casos de todos os tempos   Folclore do futebol de Mato Grosso. As perspectivas são animadoras, o que nos anima a levar adiante o projeto do segundo volume da obra.

sábado, 18 de junho de 2016

Reforço do mate milagroso...

Na semana do primeiro jogo decisivo do Campeonato Mato-grossense de Futebol de 68/69 – nos primórdios do futebol profissional em Mato Grosso o certame começava num ano e terminava no outro – entre Mixto e Operário, o técnico tricolor Tchê Teodorico caprichou na preparação física da moçada. Foi treinamento físico de terça-feira a sábado, nada de bola.

Os jogadores estranharam e alguns até reclamaram do excesso de preparo físico. Mas o treinador deu continuidade à programação para manter a equipe bem condicionada fisicamente. Pior: os jogadores sabiam que o técnico não entendia patavina de preparação física...
Para complicar ainda mais a situação, o Operário realizava seus treinos num campo de areia de goma, pesado que só. O campo ficava no lugar onde funciona atualmente a Associação Cultural Nipo-Brasileira, em Várzea Grande, com entrada pela Rua Castro Alves.

Todo mundo sabia que aquele campo não prestava para preparação física por seu piso ser duro demais. Mas a ordem para o Operário treinar ali era do presidente Rubens dos Santos, que era muito amigo do dono do terreno, Hélio Jesus da Fonseca.
Chegou o dia do jogo, que foi apitado pelo então mais famoso árbitro do futebol brasileiro, Armando Marques. Enquanto o Mixto deslanchava bonitinho, tocando direitinho a bola, o Operário parecia empacado. Resultado: o Mixto ganhou por 2x1.

Na terça-feira, quando os jogadores chegaram ao campo para iniciar os preparativos para a segunda partida decisiva e Tchê Teodorico mandou o plantel se trocar para uma sessão de preparação física, Glauco gritou: “Eu não vou treinar...”
   
O quarto-zagueiro operariano tinha um bom motivo para não fazer física: ele estava envergonhado do baile que havia levado do ponta-de-lança mixtense Marcelo no primeiro jogo decisivo. Até parecia que suas pernas estavam amarradas: Glauco, logo ele, perdeu todas as jogadas que disputou com o atacante mixtense.

É claro que os demais jogadores seguiram o exemplo de Glauco, recusando-se a fazer física. Tchê Teodorico ainda tentou convencer a rapaziada a treinar, porém não adiantou: ninguém lhe deu bola.

Veio o segundo jogo. Com os jogadores bem descontraídos e sem a musculatura fadigada, os tricolores fizeram uma grande partida e o Operário venceu, com folga, por 3x1. Operário e Mixto foram, então, para a decisão, dia 2 de fevereiro de 1969. O tricolor venceu por 3x2, conquistando o bicampeonato mato-grossense de futebol profissional.

Por ocasião da 2ª partida entre tricolores e alvinegros, quando os operarianos entraram no vestiário viram num canto uma jarra, bem grande, até a boca de chá-mate. Alguns olharam de soslaio para a vasilha. Por que chá -mate e não suco ou outro líquido para os jogadores tomarem antes de entrar em campo? – questionavam entre si.

Glauco chamou o lateral direito Darci Piquira, na inocência dos seus 17 anos, apontou para a jarra e lhe disse como se estivesse dando uma ordem: “Não beba isso aí, garoto...”

Notando a desconfiança dos jogadores, o técnico Tchê Teodorico prometeu que depois falaria sobre o segredo da jarra de chá-mate. Mas nem precisou explicar nada: com a vitória, o pessoal queria mesmo era festejar a fácil vitória...

A decisão foi marcada para quarta-feira à noite. No vestiário, a mesma jarra transbordando de chá-mate, consumido geladinho, porém em quantidades bem dosadas, inclusive durante a partida, por alguns jogadores. De vez em quando algum jogador chegava na beira do campo e dava uma beiçada no chá...

Com a vitória por 3x2, do Dutrinha os operarianos, até carregados pelos torcedores, foram direto, a pé, festejando pelas ruas, para o Bar Verdecap, que funcionou durante muitos anos no local onde foi construído tempos depois o Hotel Presidente na Avenida Getúlio Vargas, esquina com a Rua Barão de Melgaço. A concentração de jogadores e torcedores no Verdecap foi rápida, porque a turma queria mesmo era ir para a boate Tabaris, no Boa Esperança, para encerrar a noite com uma festa do bicampeonato em alto estilo.

Na boate, finalmente, os operarianos desvendaram o mistério do chá-mate. No segundo jogo, o Operário tinha contado com o reforço de uma “seleção” de 30 comprimidos dissolvidos de vários tipos de estimulantes; no 3º, a “seleção” foi reforçada com mais 10 comprimidos, principalmente de Pervintin.

Pelo que se conta até hoje, a ideia do “reforço” do chá-mate como doping teria sido do atacante Gebara, do Operário. Em alguns jogadores, o consumo do chá-mate teve efeito retardado. O ponteiro esquerdo Upa Neguinho, por exemplo, teve que tomar muito leite de madrugada, depois da farra na Tabaris, para se livrar de uma terrível dor estomacal, enquanto o meio campo Tatu queria porque queria voltar ao Dutrinha para continuar jogando...
Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do Futebol de Mato Grosso

LIVRO DIVULGA MATO GROSSO

Na recente visita que fez a Cuiabá para proferir uma palestra para alunos do Cuiabavest e ver como andam as obras da Arena Pantanal, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, em uma conversa informal com os profissionais da Imprensa sugeriu que eles escrevessem matérias sobre o futebol de Mato Grosso para ser inseridas no site do seu ministério a fim de divulgar esse esporte no Estado e cuja capital será uma das sedes do Campeonato Mundial de 2014.

Na ocasião, o editor de Esportes da Folha do Estado, Sérgio Neves, lembrou ao ministro que este blogueiro lançou em maio do ano passado o livro Folclore do futebol de Mato Grosso, narrando mais de 200 casos folclóricos do futebol no Estado, desde os tempos mais remotos da chegada das duas primeiras bolas de futebol em Cuiabá, em 1905, até os dias atuais.

Imediatamente, o ministro Rebelo pediu a Sérgio Neves que o colocasse em contato telefônico com o autor do livro. “Eu não gostaria de retornar a Brasília sem o seu livro...” – disse Rebelo na conversa com o jornalista Nelson Severino. O livro, autografado, é claro, foi entregue ao ministro no hangar do Governo de Mato Grosso, quando ele se dirigia para o jatinho da FAB para embarcar, primeiramente com destino a São Paulo, e depois Brasília.

No rápido contato com Nelson Severino, o ministro destacou a importância de sua obra para resgate da memória do futebol mato-grossense e garantiu que sua assessoria vai preparar um resumo do livro para ser divulgado no site do Ministério do Esporte para divulgar Mato Grosso.

Sentada na bola e confusão

“ Se nós estivermos ganhando, bem no final da partida um jogador vai sentar na bola...” – essa ordem foi dada pelo jogador e técnico Ruiter na preleção no vestiário antes do Mixto entrar em campo em Rio Branco para cumprir o quarto compromisso, encerrando uma excursão por gramados da capital acreana em junho de 1972. Foi uma temporada bem louca, com o alvinegro disputando 4 jogos em apenas cinco dias e se metendo em cada confusão...


Sentar na bola durante um jogo, uma ofensa intolerável no futebol, era uma forma do Mixto se vingar do tratamento nada cortês que estava recebendo dos acreanos. Já no primeiro jogo, que o Mixto perdeu de 1x0 para o Atlético Acreano, os comentaristas de rádios e de jornais chamaram os jogadores mixtenses de enganadores e pernas de pau. Afinal – ironizavam os cronistas – o Mixto era um time de profissionais e os jogadores atleticanos simples amadores...

Veio o 2º jogo, no dia seguinte, contra o Juventus, e o Mixto perdeu de novo, por 2x1. Novamente a crônica esportiva rio-branquense caiu de pau no alvinegro, cujo futebol era uma grande decepção para os acreanos. Os mixtenses ficaram muito chateados com as críticas da crônica esportiva, pois o Tigre já era uma equipe respeitada no futebol brasileiro.

No terceiro jogo, contra o Rio Branco, o Mixto conseguiu um suado empate pela contagem mínima. O resultado não melhorou a cotação do alvinegro perante os torcedores acreanos e muito menos à crônica esportiva.

Encerrando a temporada, o Mixto enfrentou o Independência. O time mato-grossense jogava fácil e ganhava o jogo por 2x0, com todos os méritos.

Aos 43 minutos do 2º tempo, o goleiro Zé Rondonópolis, depois de um ataque da equipe adversária, em vez de repor a bola em jogo, sentou-se sobre ela e ficou girando a cabeça em todas as direções do estádio, numa atitude zombeteira e provocativa!

Pra quê, xômano!... o pau quebrou feio! Num piscar de olhos, centenas de torcedores invadiram o campo e depois de tomar dos escoteiros que ajudavam a Polícia Militar no policiamento aquelas espécies de bordunas de 1,5 m de comprimento que usam em suas caminhadas em grupos, passaram a bater nos mixtenses sem dó. Os jovens escoteiros, coitados, acompanhavam o massacre sem poder fazer nada.

– Nós parecíamos tropas do general Custer sitiadas pelos índios sioux nos tempos da conquista do oeste americano – recorda o zagueiro central Felizardo. Apesar da eficiência da PM na proteção dos mixtenses, muitas pessoas da delegação alvinegra entraram na porrada pra valer.

O hotel onde o time mato-grossense estava alojado ficava bem próximo do estádio. Os mixtenses voltaram para o hotel a pé, sob a proteção da PM, pois os torcedores rio-branquenses queriam bater mais nos jogadores alvinegros por causa da ofensa de Zé Rondonópolis.

A tumultuada partida foi realizada numa quarta-feira à noite e logo que a delegação chegou ao hotel, o meio campo Ferreira, que era chegadinho numa birita, raspou a barba e foi para as ruas das imediações sondar como estava o ambiente. E voltou assustado com a revolta dos torcedores.

O embarque do Mixto para Cuiabá estava marcado para dois dias depois, porque naquele distante 1972 avião de passageiros nos céus da Amazônia era artigo de luxo. Para se vingar do insulto de Zé Rondonópolis, dezenas de torcedores passaram a noite fazendo barulho nas imediações do hotel para não deixar os mixtenses dormir...

A pancadaria no estádio e a arruaça dos torcedores no hotel eram apenas o começo de uma série de problemas que a delegação do Mixto ainda ia enfrentar em Rio Branco – lembra o massagista Carlito, do Mixto, que tinha viajado no lugar de Lisboa, que não podia sair de Cuiabá.

Se já não bastasse a grande confusão da noite, lá pelas 11h30 estava armado o maior fuá defronte ao hotel onde a delegação alvinegra ficou alojada. O motivo do rolo: a prisão do jogador Ferreira.

Acontece que Ferreira havia apostado com alguém da delegação que ele tinha coragem de mijar defronte ao hotel em pleno dia. E no horário combinado – entre 11h30 e 12 horas – Ferreira saiu do hotel, olhou para os lados da rua e como não viu ninguém, começou a urinar...

Ferreira não tinha visto ninguém mesmo, nem um taxista que estava dentro do seu carro a uns 30 metros dali. O taxista, que também estava puto com a palhaçada de Zé Rondonópolis, ligou para a PM, que chegou rapidinho e prendeu Ferreira por atentado ao pudor...

O chefe da delegação/treinador/jogador Ruiter entrou na confusão em defesa do seu companheiro. Mas a prova do crime – a calçada molhada de urina – estava ali. E foi ajuntando pessoas, muitas delas já dispostas a dar uns catiripapos, de novo, nos mixtenses.

Depois de muito bate-boca e ameaças, Ruiter fez um acordo com os PMs que prenderam Ferreira: em vez de ir para uma cela, ficaria “detido” no hotel, de onde só sairia quando a delegação alvinegra fosse para o aeroporto...

Acordo selado e cumprido. No dia seguinte, logo cedo a delegação se mandou para o aeroporto de Rio Branco para não correr o risco de perder o voo. Chegava de tanto rolo! Mas o céu estava nublado e uma densa neblina impedia o avião, que já estava com a bagagem dos passageiros, de decolar.

Enquanto a tripulação aguardava autorização da torre de controle para a aeronave levantar voo, Ruiter resolveu engraxar os sapatos. Aí, a certa altura, apareceu onde Ruíter estava um empregado do aeroporto que começou a provocar o jogador, afirmando que o Mixto era uma porcaria de time de futebol, não valia nada, como a imprensa esportiva acreana estava dizendo...

De repente, Ruiter, que lia um jornal de Rio Branco que falava do Mixto, explodiu com o torcedor: “Este jornal não presta nem para limpar o meu sapato...” – reagiu Ruiter, enquanto fazia, com a publicação, o gesto dos engraxates lustrando calçados com um pano...

Estava armado novo sururu. O rapaz deu umas voltas pelo aeroporto, gesticulando e conversando, muito irritado, com outras pessoas. Não demorou, chegou ao aeroporto um numeroso grupo de oficiais da PM, que passaram a esculhambar todo mundo, e particularmente Ruiter, pela ofensa ao jornal.

– Acho que da turma o único que não era graduado era um sargento, que de certo foi chamado para amarrar a gente, porque, pelo jeito, naquele momento não havia algemas para toda a delegação – brinca Felizardo.

Ruíter se desmanchava em pedidos de desculpas, admitindo que tinha errado. Porém, o oficial que comandava o grupo não queria saber de justificativas, e sim de passar uma descompostura daquelas em Ruiter.

Nisso, o quarto zagueiro Carlos Martins, que de tão preto chegava a ser azulado, e que estava tirando um cochilo, acordou zonzo de sono e perguntou: “Qual é a confusão agora, Ruiter? Se vão prender você, vão ter que prender todo mundo” – gritou Carlos Martins.

“Cala a boca, macaco!”... – berrou o oficial comandante do grupo. E deu uma ordem em seguida: “Comecem a descarregar a bagagem deles do avião, está todo mundo preso...”

Mais conversa e mil pedidos de desculpas dos mixtenses, que naturalmente atraíram as atenções de quem estava no aeroporto. Finalmente, com a intervenção do pessoal da Vasp, a delegação mixtense foi autorizada a embarcar com destino a Porto Velho, onde acabou ficando mais dois dias por ter perdido a conexão do voo para Cuiabá.

Quando a delegação saía da sala para embarcar – lembra Ruiter – o oficial que liderava o grupo ainda fez uma advertência em forma de ameaça: “Caminhem direitinho para o avião. Quem olhar para trás vai em cana, fui bem claro?”

Ninguém olhou...


Gente fina e tranqueira

    Pessoas mais polidas, educadas, humildes, do que os irmãos Cruz Bandeira – Otair, Delvi, Idelvan e Juraci – que militaram no futebol do Mato Grosso indiviso entre 1957 e 1964, os dois primeiros defendendo o Araguaia Esporte Clube e os outros dois o Coxim Esporte Clube, estavam para nascer. Mas gente mais encrenqueira e curva de rio do que os quatro provavelmente não passou pelo futebol mato-grossense naquele período.

    Fora de campo, Otair, que continuou sendo chamado pelo apelido de Ica mesmo depois que virou desembargador e presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso; o hoje promotor de Justiça aposentado Delvi; o advogado Idelvan e o então exator de rendas de Coxim, Juraci, eram um primor de pessoas. No entanto, quando trocavam suas vestes chiques que suas profissões lhes impunham por camisa, calção, meião e chuteira para jogar bola, viravam, individualmente, um poço de ignorância, grosseria, estupidez, ironia...

     O mais mala dos quatro era Ica, que mesmo já investido na função de juiz de Direito de Alto Araguaia, quando entrava em campo esquecia sua condição de magistrado e aprontava pra diabo. Era provocador, insolente e briguento. Alto e forte como um touro, se precisasse, saía na porrada com adversários, sem se importar em que chão estava pisando...

    Em 1961 ou 62 – Pedro Lima não se lembra exatamente o ano – o AEC foi disputar um amistoso com um time de Mineiros, cuja população sempre recebia muito bem os alto-araguaienses. Para variar, Ica, que raramente jogava uma partida inteira, porque era sempre expulso de campo, criou uma confusão tão grande que o juiz suspendeu o jogo quando eram decorridos apenas 20 minutos.

    Para azar dos defensores do “Panterão”, Ica foi se envolver logo com um jogador de uma família numerosa de baianos que viviam em Mineiros. Os homens da cidade não entraram em campo – nos velhos tempos não existia alambrado para proteger os jogadores – mas mandaram suas mulheres e namoradas fazer suas vezes. Elas obedeceram à ordem com vontade. E só pararam de bater nos jogadores do “Pantera do Leste” quando suas sombrinhas estavam em frangalhos...

    – Naquele dia nós apanhamos pra valer. Mas a confusão, como sempre, acabou em festa. Poucas horas depois, estávamos todos juntos, inclusive muitas das nossas agressoras, tomando cerveja e dando gargalhadas, com as lembranças da surra de sombrinhas que tínhamos levado – recorda Pedro Lima.

    Em Rio Verde, também em Goiás, em outro jogo Ica meteu seus companheiros em outra confusão daquelas. Revoltado com as molecagens que Ica estava aprontando, enchendo o saco de todo mundo, um torcedor conhecido por Altino Paraguaio entrou em campo dando tiros de revólver para cima. Foi aquela correria. Pelo menos dessa vez os jogadores de Alto Araguaia não entraram na taca...

Ica, Delvi, Idelvan e Juraci eram tão tranqueiras quando jogavam bola que às vezes procuravam armar confusão entre eles mesmos. Como aconteceu em 1963, quando o Araguaia Esporte Clube foi disputar um jogo com o Coxim, que tinha apenas dois jogadores da cidade – os irmãos Idelvan e Juraci – pois os outros eram do Operário e do Comercial, de Campo Grande.

    Os quatro irmãos passaram os 90 minutos do jogo, que terminou empatado por 3x3, xingando uns aos outros. Era palavrão para tudo quanto era lado e o juiz não podia fazer nada se não ia sobrar – e como ia!... – para ele também.    “Você é um grande filho da puta, domina direito essa bola...”     – “Filho da puta é você, eu te conheço muito bem, seu...”       – foram as frases que a torcida mais ouviu durante todo o jogo...

      Como se os quatro não fossem filhos de uma mesma e honradíssima mãe...

E agora, chefe?

  Sob o comando do técnico João Batista Jaudy, o Operário, de Várzea Grande, disputava um amistoso com a Portuguesa, do Rio de Janeiro, no Dutrinha. 

O jogo estava relativamente equilibrado, porém o ponteiro esquerdo do time carioca infernizava a vida do lateral direito JK, levando perigo constantemente à meta operariana.

  O atacante da lusa carioca pegava a bola em seu campo e arrancava em velocidade para cima do zagueiro operariano. Quando JK partia para o combate, o ponteiro jogava o corpo para a direita e saía pela esquerda, deixando seu marcador na saudade.

 A certa altura do jogo, depois do atacante repetir a jogada pela quarta vez o técnico Jaudy não aguentou e gritou: “Você é burro, JK? Não está vendo que o cara é canhoto e só sai pela esquerda?...”

  Muita gente que estava até mais distante do banco de reservas do Operário ouviu o grito de Jaudy. E, certamente, o jogador da Portuguesa também ouviu a bronca do treinador...

  Na primeira bola que chegou aos pés do atacante da Portuguesa, ele avançou na direção do gol e ao ser enfrentado por JK ameaçou sair pela direita e saiu mesmo, enquanto JK esticava a perna direita para tentar impedir a passagem do adversário pelo lado esquerdo do ataque do time visitante.

Desnorteado com o drible que havia levado de novo, JK olhou para Jaudy e gritou: “E agora, chefe?...”

– Agora, você vai para a pqp! – foi a resposta do treinador...