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Pinah com Jaudy na inauguração da sede |
Vestido como um autêntico
sheik (líder muçulmano que se torna chefe de um país, uma região, uma cidade...),
inclusive com direito a um serviçal negro para abaná-lo com um grande leque
durante a festa, como era costume no Oriente Médio e na Ásia – uma tarefa que
cabia a eunucos (escravos que eram castrados para trabalhar nos haréns) para
seus donos não correrem riscos de ser traídos...
Foi com a originalíssima fantasia
que o carnavalesco João Batista Jaudy chegou à principal portaria do Clube
Esportivo Dom Bosco, no carnaval de 1973, bem no clima da festa momesca... já
curtindo o sucesso que certamente ia fazer naquela noite!
Mas aí surgiu um probleminha
que terminou virando um problemão e acabou na Polícia: a pessoa que Batista
Jaudy havia contratado para abaná-lo durante a festa, como parte de sua
fantasia, não fazia parte do quadro de sócios do Dom Bosco e não podia entrar. De
jeito nenhum!
Batista Jaudy interpretou a
decisão dos porteiros e de diretores do clube como uma inaceitável demonstração
de racismo e armou a maior confusão. Depois de muito bate-boca, xingamentos,
palavrões, empurrões, quedas, Jaudy deixou a sede do Morro da Colina,
acompanhado do seu humilhado “escravo”, mas antes advertiu: “Me aguardem! Eu já
volto...!”
Diretor do azulão, naquela
noite Jorge Fava estava na portaria lateral do Dom Bosco em companhia da esposa
Catharina da Costa e Silva Fava, grávida do primeiro filho do casal, Mário Giórgio
Fava, hoje com 44 anos, quando de repente surge Batista Jaudy com um revólver
em cada uma das mãos.
– Eu só tive tempo de dizer
para mulher vamos nos esconder numa dessas salas que vai ter tiroteio aqui. E
teve mesmo. Foi um esparrama geral no clube, que não teve nem carnaval naquela
noite – lembra Fava.
E nem podia ter carnaval
mesmo, pois muita gente foi levada à Polícia para prestar depoimentos sobre a
confusão e os tiros na sede dombosquina. Mas a confusão causada por Jaudy
acabou sem maiores consequências, com algumas pessoas envolvidas no tumulto fazendo
as pazes e inclusive pedindo desculpas umas as outras. Entre elas, Batista
Jaudy, naturalmente, o principal pivô do bafafá.
Para Fava, Jaudy devia estar
muito alterado para acusar o Dom Bosco de racismo no episódio que teve grande
repercussão na imprensa. “Afinal – lembra ele – o próprio presidente do Dom
Bosco, José de Carvalho, era preto...”
O personagem que levou Jaudy
a se envolver naquele rolo, ao aceitar trabalhar como “escravo” do carnavalesco
na festa dombosquina, era um simples lavador de carros e que exercia sua
atividade nas praças Alencastro e da República. Seu nome: Clemente, que com o
tempo virou Quelemente e finalmente Quelé, que muita gente passou a confundir
com Pelé, por causa de sua cor e da semelhança do apelido com o famoso craque
do Santos FC...
Trabalhando como engraxate
há 57 anos no centro de Cuiabá, Aquilino Alves da Silva afirma que Quelemente
era “gente muito boa”. E era louco por circo. Como nem sempre tinha dinheiro
para pagar o ingresso nos circos que apareciam na cidade, ele ficava em pontos
estratégicos nos lugares onde as pessoas tinham que passar até que alguém do
circo mandasse-o entrar para deixar o acesso livre.
Quelé bebia muito. E faleceu
faz muito tempo – segundo Aquilino. Dizem que certa noite, Quelé dormia em um
banco da Praça Alencastro, quando rolou e caiu ao chão, batendo violentamente a
cabeça no cimento. Na queda, sofreu fratura do crânio e morreu...
Bom de bola, Batista Jaudy
foi revelado para o futebol quando estudava no Colégio Salesiano São Gonçalo.
No futebol cuiabano jogou pelo Atlético Mato-grossense, Dom Bosco e Americano.
Atuou também no Operário, de Campo Grande, quando serviu o Exército, em 1957, e
ainda na Associação Recreativa do Catete e na seleção universitária fluminense,
quando morou no Rio de Janeiro, entre 1957 e 1960.
No tempo em que morou no
Rio, fez testes no América, treinado por Martim Francisco, e no Fluminense,
cujo técnico era Zezé Moreira. Fez testes por fazer e por insistência de
amigos, pois seu foco era mesmo os estudos. E mesmo morando no Rio, continuou
jogando no Dom Bosco. Quando tinha jogo oficial, nos finais de semana Jaudy
pegava um avião, vinha para Cuiabá, jogava e retornava no primeiro voo para o
Rio.
Durante o tempo em que morou
no Rio de Janeiro, o já falecido Batista Jaudy, virou um grande carnavalesco.
Tanto é que ao retornar a Cuiabá após concluir o curso de Farmacologia e se
formar também em Educação Física, em Lins-SP, ele tratou de criar a Banda U,
embrião que se transformou anos mais tarde no Grêmio Recreativo Escola de Samba
Mocidade Independente Universitária, que ele presidiu durante cinco anos,
passando depois o comando para o professor Abílio Camilo Fernandes e Jaime
Okamura.
A inauguração da sede da
escola, em 1984, contou com a presença da carnavalesca carioca Pinah, que
voltou a Cuiabá depois para desfilar como o principal destaque da escola na
Avenida Mato Grosso com o enredo “O minhocão do Pari” e que levou a multidão ao
delírio. A música que embalou o desfile do GRESIU e que a multidão em êxtase
cantou na avenida foi de autoria de Neguinho da Beija-Flor, que mandou um seu
irmão a Cuiabá para pesquisar a lenda do minhocão do Pari, na própria Barra do
Pari, para compor a letra do samba-enredo.
À época do episódio na sede
do Dom Bosco, o conceituado professor João Batista Jaudy, que na sua passagem
pela UFMT ajudou a criar o curso de Educação Física, que em setembro deste ano
completou 41 anos, foi muito censurado pela sociedade, mas recebeu todo apoio
de familiares e de muitos amigos também.
– A gente não podia esperar
outra atitude dele diante daquela posição racista assumida pelo Dom Bosco –
afirma Olga Jaudy, irmã de Batista Jaudy.