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sábado, 25 de fevereiro de 2017

De tresoitão na mão, torcedor mandou cobrar pênalti e o jogo do São Cristóvão continuar...

 Faz tanto tempo que o fato inédito aconteceu que o ex-treinador e ex-jogador Dito Coró não se lembra se foi em Poconé, Santo Antonio do Leverger ou Nossa Senhora do Livramento. Mas tudo indica que foi na vizinha última cidade que mantinha um super-time e cuja última façanha tinha sido surrar o todo poderoso Clube Esportivo Operário Várzea-grandense, de Rubens dos Santos, e tido como a grande força do futebol regional da época, aí pelo início da década de 60.

O amistoso foi em um domingo. Empolgados com o seu time, os torcedores da cidade não economizavam no placar das apostas sobre o resultado do jogo. Os mais otimistas arriscavam placares de 4x0, 5x0, 6x0...

Mas ainda pela manhã, quando os torcedores viram aquele bando de magricelas, entre eles muitos garotos, em cima do caminhão que conduzia a delegação do clube do Araés, as apostas subiram para 7x0, 8x0, 10x0, 12x0. Apostas no dinheiro vivo e muita gozação em  cima do São Cristóvão.

Chegou a esperada hora de a onça beber água. Os meninos do São Cristóvão simplesmente passeavam dentro de campo. Era um show de bola que faltava gente pra ver. A torcida estava aturdida sem acreditar no que via. O primeiro tempo terminou com a vitória do time cuiabano por 3x0.

Veio o segundo tempo e o São Cristóvão marcou mais um gol. Não demorou e o adversáro fez o seu primeiro gol. Logo em seguida, o juiz, de Nossa Senhora do Livramento, naturalmente, marcou um pênalti absurdo a favor do time da casa.

O treinador-jogador Dito Coró percebeu que as cartas do baralho estavam marcadas e disse para a rapaziada: “Vamos sair de campo...”

A ordem de Dito Coró começou a ser cumprida, mas de repente do meio da torcida surgiu um cidadão com um revólver cano longo deste tamanho em uma das mãos, entrou em campo e deu a ordem: “O pênalti vai ser batido e o jogo continuar...”

– Vamos continuar jogando, moçada... – foi a única coisa que Dito Coró disse a seus pupilos. Mesmo sob pressão da torcida e com medo do homem do tresoitão e do juiz, o São Cristóvão ainda fez mais um gol, vencendo o jogo por 5x2...



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Coringa do Vila Nova, Painha achava que não ia se casar nunca: era muito feio...

O casal Painha-Gonçalina
 e a parentela na 
solenidade religiosa  











Titular absoluto da ponta direita do Vila Nova Futebol Clube, Painha sempre alimentou um sonho na sua juventude: chegar um dia a ser o goleiro do time principal de Bom Sucesso, a quase bicentenária comunidade rural de Várzea Grande e que virou um importante polo turístico e gastronômico da cidade.

Para alcançar esse objetivo, ele preparava-se muito, até sozinho, chutando a bola contra o muro da casa em que nasceu e onde vive até hoje – a residência original era uma palhoça, a 1ª a ser erguida na comunidade rural em 1823 – para treinar reflexos e dar saltos como felinos para defendê-la com os pés, as mãos, as costas, a bunda...

Mas, apesar de tanto esforço e persistência, além de suas boas atuações no time suplente, chamado também de “cascudo”, Painha nunca tinha chance de atuar na equipe titular.   

Muito bem criado por uma tia desde a hora que nasceu, pois sua mãe morreu no seu parto, Painha, que só saía de Bom Sucesso para jogar bola na região, embora muito estimado pela população da comunidade onde vivia, convenceu-se muito cedo de que um outro sonho que todo mundo acalenta na juventude – o de casar, ter mulher, filhos, netos... – não ia se materializar  nunca!

-- Eu era muito feio, as moças nem olhavam pra mim... – afirma Painha.
De fato, o conjunto não ajudava Painha. Além de feio, era magricela, bem baixinho e... pobre, muito pobre. Tanto é que quando tinha jogo bom no Dutrinha, por falta de dinheiro para pagar uma condução, Painha e um grupinho de amigos de Bom Sucesso iam a pé ao estádio do centro de Cuiabá. Ele ainda tinha que pular o muro porque nunca tinha grana para comprar o ingresso.

Depois que o Verdão foi inaugurado, em 1976, aí piorou a situação deles, porque aumentou em alguns quilômetros a caminhada para o estádio. Se o jogo era de noite, a turminha só chegava a Bom Sucesso de madrugada. “Ainda bem que naquele tempo não tinha esse negócio de assalto e a gente podia andar a noite sem cisma...” – diz Painha.

Fazer longas caminhadas não era problemas para eles que já estavam acostumados a torar longos estirões quando tinham que jogar na Guarita, Figueirinha, Varginha, Engenho Velho, Santo Antonio de Leverger.

No caso de jogos nas três últimas localidades, o pessoal de Bom Sucesso atravessava o Rio Cuiabá e em canoas e botes e depois completava a jornada no pé dois mesmo, pois não existiam conduções para facilitar o deslocamento da boleirada.

Pouco tempo da fundação do Vila Nova, chegou a Bom Sucesso para dar aulas na escolinha da comunidade rural a professora Gonçalina Barros. A princípio muito vigiada pela família em cuja casa passou a viver, o que era comum naqueles tempos, em função da preservação da moral e dos bons costumes, aos poucos a mestra foi se soltando e se enturmando com a comunidade.

Em um domingo de jogo no campo do Vila Nova, enquanto Painha procurava uma moita de capim para esconder seus pertences, Gonçalina aproximou-se dele e perguntou se ele queria que ela cuidasse  de sua roupa. Ora, se queria, afinal era um sinal de aproximação dos dois e que deixou os jogadores vilanovenses até faceiros quando o gabola Painha contou-lhes a novidade...

Dias depois desse episódio, que deixou o ponteiro direito eufórico, a diretoria anunciou que a partir de um jogo que o Vila Nova ia disputar em Engenho Velho, dali a alguns dias, Painha passaria a ser o titular do gol. A notícia chegou rapidinho aos ouvidos de todos os moradores de Bom Sucesso, inclusive aos da professora Gonçalina, claro...

-- Eu acho que ela pensou que eu jogando de goleiro no time titular do Vila Nova ia ser alguma coisa na vida... -- caçoa o hoje Vovô  Painha, lembrando que na volta de Engenho Velho ele teve que agüentar muita gozação dos dois lados dos ouvidos, pois o time de Bom Sucesso  perdeu de 7x0 e ele levou os sete gols. Foi uma estreia pra lá de desastrosa...    
         
Painha chegou a imaginar que o sonho de um casamento que passou a povoar seu pensamento depois do primeiro contato com Gonçalina tinha ido para o vinagre. Mas que nada! O namorico avançou, apesar dos 7x0, evoluiu para um casamento que já dura 61 anos e resultou em cinco filhos (3 mulheres e dois homens), 11 netos e 4 netas, 11 bisnetos e uma tataraneta de três anos. Por enquanto...

Com o incentivo e a ajuda da professora Gonçalina, Painha progrediu e muito na vida. A palhoça pioneira de Bom Sucesso virou nos últimos anos um confortável casarão, onde os dois vivem cercados da parentela..

Decorridos mais de 60 anos, até hoje Gonçalina se lembra da primeira vez que viu Painha. Em um domingo, ela estava conversando com uma amiga em uma casa perto de uma rua, quando ele passou, já uniformizado de goleiro e simulando estar arrumando a camisa de mangas compridas, fingindo que não tinha visto as duas...

Apesar dos seus 86 anos, o ex-coringa do Vila Nova, pois jogava em várias posições, ele ainda trabalha na sua chácara e cuida do tempero e da qualidade do peixe que sai da cozinha para as mesas da tradicional Peixaria Vovô Painha, uma das mais antigas de Bom Sucesso...        

Trabalhando muito a vida inteira, sem sair de Bom Sucesso, Painha nunca se preocupou com estudos, mas aprendeu muito com a vida. No ano passado, quando o casal comemorou 60 anos de casamento, com uma festa de arromba, o hoje tataravô Painha vendeu um terreno por R$ 30 mil e chamou os cinco filhos para fazer a partilha do dinheiro...

Só que na hora de repassar essa parte dessa herança aos filhos, Painha ficou com R$ 5 mil e entregou só R$ 4 mil para cada um deles, esclarecendo, antes que alguém lhe perguntasse, que “o outro mil reais é a contribuição de cada um de vocês para a festa de “Bodas de Diamante” do nosso casamento...”

Ninguém chiou...       

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Hotel cinco estrelas sem cama no elevador...

Odenir estranhou a falta de camas... no elevador

O Mixto foi a Brasília enfrentar o CEUB (Centro Esportivo Universitário de Brasília) pelo Campeonato Brasileiro de Futebol. Na delegação do alvinegro três caras novas do clube, mas muito conhecidos dos torcedores mato-grossenses: Odenir, o popular Upa Neguinho, Laércio e Ivanildo, que o Operário Várzea-grandense tinha cedido, por empréstimo, ao seu mais ferrenho rival.

A delegação mixtense saiu do aeroporto de Brasília diretamente para o Aracoara Hotel, um cinco estrelas que acabou se tornando famoso por hospedar pessoas ilustres de passagem por Brasília, mas também de triste memória para muitos brasileiros: foi ali que a equipe econômica do presidente Fernando Collor de Mello confiscou e congelou os depósitos das Cadernetas de Poupança, levando milhões de poupadores ao desespero.

Empossado em 1990, o alagoano Collor de Mello, que prometia fazer um governo revolucionário em benefício a população,  confinou sua equipe econômica, comandada por Zélia Cardoso de Mello, no Aracoara, onde foi concebido e executado o plano diabólico do novo presidente do confisco dos depósitos dos poupadores...

A razão dos protestos e reações contra o chamado “Plano Collor”: muitas pessoas que precisavam do dinheiro de suas poupanças para fazer tratamento médico, inclusive cirurgias, acabaram morrendo, pois não podiam, mesmo em casos extremos, sacar seu dinheiro confiscado.

Pressionado pela população, encabeçada pela juventude, que saiu às ruas Collor de Mello renunciou ao cargo em 1992. Mas como o povo tem memória curta, anos depois o odiado Collor de Mello voltou  à cena política e atualmente é senador.

Nem todo mundo do Mixto já tinha se hospedado em um hotel tão chique como o Aracoara, onde a delegação ficou até o dia seguinte para o jogo com o CEUB, que por sinal, sucumbiu em 1976, depois de se envolver em uma briga com o todo poderoso presidente da então CBD, almirante Heleno Nunes.

Preenchidas as fichas na recepção, os jogadores começaram a subir para os apartamentos. Foi aí que Odenir, sem se dar conta que já estava dentro do espaçoso elevador, virou-se  para os companheiros e perguntou: “Mas será que um hotel desse porte não tem camas nos quartos?...”  

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Aventura, drama e quase um suicídio em jogo do São Cristóvão na festa de Cáceres...


O São Cristovão marcou epóca no futebol amador em Cuiabá
Outubro de 1964: para comemorar seus 186 anos de fundação, no dia 6 daquele mês, Cáceres criou uma comissão organizadora para promover uma festa de arromba, daquelas de deixar saudades e ser lembrada para sempre. E claro que para marcar uma data tão significativa para a população cacerense não podia faltar um jogo de futebol dos bons.

O clube escolhido para abrilhantar a festa de Cáceres foi o São Cristóvão, do bairro Araés, de Cuiabá, à época presidido pelo 1º tenente R/1 Gumercindo Alves Correa Filho. Apesar de ser um dos mais novos do futebol amador de Cuiabá – foi fundado em 16/12/1961 – o São Cristóvão era muito bem organizado e não um simples time de 11 camisas. E muito bom na bola...

Uma poderosa seleção formada pelos melhores jogadores da cidade e da região era a “pedreira” que o São Cristóvão ia enfrentar no amistoso festivo. Por isso, a diretoria decidiu que o time viajaria no sábado mais cedo para chegar a Cáceres com tempo suficiente para os jogadores descansarem para cumprir o compromisso.

A viagem em cima de um velho caminhão, com os jogadores sentados sobre incômodos bancos de madeira que se estendiam de um lado a outro da carroceria, começou e prosseguia animada pelos 225 quilômetros da lamacenta e quase intrafegável BR 070 que liga Cuiabá e Cáceres, quando, de repente, já altas horas da noite, o caminhão quebrou...

Naquele deserto de cerrado, buscar socorro onde? O jeito foi a diminuta delegação do São Cristóvão, já quer muitos jogadores não puderam viajar, conformar-se com o azar e dormir sobre a madeira dura da carroceria e com o estômago roncando de fome. Foram horas dramáticas, quase de desespero. Mas fazer o que?...

Quando rompeu a aurora no domingo, alguns jogadores avistaram, quase à margem da rodovia, ao longe, uma tapera e galo cantando.  Foram até lá na esperança de conseguir pelo menos um gole de café, mas para surpresa – e que surpresa agradável!... – o casal que morava ali conseguiu improvisar um “quebra torto” que aliviou a fome de todo o grupo.

Voltaram para o caminhão, torcendo e alguns até rezando, para aparecer algum socorro. Calcula Dito Coró, treinador e jogador do São Cristóvão, que ainda faltava mais da metade do caminho para a delegação chegar a Cáceres. O sol já ia bem alto quando chegou onde estava os jogadores, um amigo do motorista do caminhão em uma caminhonete C-10.

Imediatamente ele se prontificou a levar uma parte da equipe até Cáceres e em seguida voltaria parar pegar o resto do pessoal. Amontoaram-se na C-10, o chefe da delegação, tenente Correa, Dito Coró e mais 10 jogadores. O time chegou a Cáceres já na hora de começar o jogo, com a numerosa torcida presente ao campo já impaciente...

Apesar de todos os contratempos – fome, cansaço, noite mal dormida -- o São Cristóvão deu um show de bola na seleção de Cáceres, vencendo o jogo por 3x1.

Nem bem terminou a partida, Correa e Dito Coró foram procurados por dirigentes da seleção cacerense para realização de um novo jogo no dia seguinte, 6 de outubro, data do aniversário da cidade e feriado em Cáceres. Um oficial de alto coturno do 2º Batalhão de Fronteira (2º BFron), unidade do Exército em Cáceres, e que havia cedido vários jogadores para a seleção cacerense, foi curto e grosso:

 -- A rapaziada não gostou do resultado de hoje e quer uma revanche amanhã. Depois do jogo, um caminhão do Exército leva vocês de volta para Cuiabá com toda a segurança...

Correa e Dito Coró ainda tentaram argumentar que os jogadores do São Cristóvão trabalhavam e eles próprios tinham compromissos profissionais em Cuiabá. No caso do tenente Correa, como justificar sua ausência ao trabalho? Mas o oficial do BFron não quis nem saber: a revanche estava marcada e fim de papo!...

O jogo na segunda-feira em Cáceres ficou marcado na curta história do clube do Araés. O São Cristóvão estava ganhando por 1x0, quando já quase no fim do jogo, o lateral esquerdo Adolfo resolveu fazer uma graça para a torcida: tomou a bola do ponteiro direito, deu-lhe um drible desconcertante, em seguida mais um e na terceira finta se atrapalhou, perdendo a bola para o adversário, que cruzou para a área, com a seleção cacerense empatando o jogo.

Outro drama: inconformado com a sua falha, Adolfo caiu em profunda depressão e queria porque queria se matar de qualquer jeito. Apesar de consolado pelos companheiros, o suicídio virou uma obsessão de Adolfo, cujos passos passaram a ser vigiados por todo mundo. Ele só desistiu da intenção de se matar depois de muitos conselhos de amigos, na volta a Cuiabá...   
            
 

  

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