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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Não é folclore: negligência de diretores da FMD-FMF “apagou” grande parte da memória do futebol de Mato Grosso


Súmula de um jogo oficial entre Atlético Mato-grossense e
 Mixto disputado dia 2/2/1958, vencido pelos atleticanos por 6x0,
gols de Ariel (3), Preto, Maurício e Portela  
Por desleixo, negligência, falta de compromisso e até mesmo de responsabilidade das sucessivas administrações que passaram pela Federação Mato-grossense de Desportos e a Federação Mato-grossense de Futebol ao longo dos seus 74 anos – a entidade foi fundada dia 26 de maio de 1942 – com a história e a cultura de Mato Grosso, grande parte da memória do futebol estadual, registrada de 1980 para trás (são 38 anos) simplesmente desapareceu. De forma irreversível!.

Ao que consta, do riquíssimo passado do futebol mato-grossense desse período de quase quatro décadas – súmulas de jogos dos tempos do amadorismo e do profissionalismo, implantado em Mato Grosso em 1967, registro de jogadores, portarias, livros de atas de assembleias etc., restam uns 200 documentos -- muitos já esfarelando pela ação do tempo -- nas mãos de Sérgio da Silva Santos, um pesquisador autônomo, que há muitos anos vem trabalhando nas horas vagas na tentativa de  resgatar a memória desse esporte no estado.

Como essa memória foi parar mãos do pesquisador? Simples: depois de permanecer por muitos anos na sua primeira sede, na Praça Alencastro, a FMD mudou-se para a Rua Barão de Melgaço, esquina com Isaac Póvoas. Algum tempo depois, nova mudança da FMD para dependências que ficam sob as arquibancadas do Estádio Eurico Gaspar Dutra, o Dutrinha, construído em 1952 e que passaram por completa reforma quando o economista Agripino Bonilha 
Filho assumiu a presidência da entidade em 1969.

Nas suas freqüentes idas ao Dutrinha em busca de material para suas pesquisas, Sérgio Santos teve a curiosidade despertada por sacos, aparentemente cheios de papéis, espalhados por salas do estádio e sob suas arquibancadas. Um dia, ele perguntou a uma pessoa que vivia pelo Dutrinha, o que havia naqueles sacos. Informado de que se tratava de documentos da FMD, Santos mostrou interesse em folhear alguns daqueles documentos.

Ao descobrir que estava com um “tesouro” nas mãos, Santos perguntou à pessoa se poderia levar para sua casa um pacote de súmulas. A pessoa concordou em liberar as súmulas, pelas quais Santos pagou, por sua livre e espontânea vontade, R$ 20,00. Pouco tempo depois, o pesquisador pegou com a pessoa mais dois pacotes dos documentos, pagando-lhe mesmo valor da primeira vez.

Após comprar três pacotes de súmulas e outros documentos da entidade, o pesquisador percebeu que a pessoa passou a criar entraves para liberar a papelada, deixando evidente que pretendia receber um valor maior pela cessão dos documentos da FMD. Passados alguns anos, Sérgio Santos retornou ao local para ver se conseguia mais documentos, mas já não havia mais nada no Dutrinha. Desistiu, então, de continuar aumentando seu acervo sobre a velha documentação do futebol de Mato Grosso.       

Após alguns anos funcionando no Dutrinha, a entidade máter do futebol mato-grossense mudou-se para outra sede mais espaçosa, na Rua 24 de Outubro, quase na esquina com a Rua Zulmira Canavarros. E funcionou ali um bom tempo, inclusive já transformada em FMF, até sua transferência para o atual endereço na Rua 13 de Junho, dentro da área do Dutrinha, feita na gestão de João da Silva Torres, que foi eleito em 1979/80 e cumpriu dois mandatos sucessivos até 1986.

Com a nova mudança da sede, muitos documentos foram colocados em caixas e ensacados e por falta de espaço ficaram jogados pelos cantos da entidade. E segundo um velho funcionário da FMF, supostamente a mesma pessoa que vendia as súmulas a Sérgio da Silva Santos, continuou pegando documentos na nova sede “para vender para reciclagem de papel velho para consumir droga...”

Mesmo tendo conhecimento da irregularidade praticada pelo intruso, com a retirada de documentos oficiais da FMF, o funcionário da entidade nada fez para impedir sua ação delituosa. Resultado:  “da documentação de 1980 para trás não sobrou nada, foi tudo perdido...” – admite uma também antiga funcionária da FMF.

Durante a permanência do ex-deputado estadual João da Silva Torres na presidência da FMF(1979-80/86), o radialista e professor William Gomes, da Universidade Federal de Mato Grosso, tentou perpetuar a memória do futebol mato-grossense, através do processo de microfilmagem. Gomes chegou a arrumar patrocinadores para bancar o projeto, que seria executado por estagiários da UFMT, sem nenhum custo para a FMF, mas João Torres foi enrolando todo mundo e a preservação da história do futebol estadual não foi consumada.

Esportistas da velha guarda, muitos dos quais ajudaram a construir a história do futebol de Mato Grosso, isentam de culpa os dirigentes mais antigos da entidade pelo fato de parte da memória desse esporte no estado ter sido apagada definitivamente, pois não contavam com recursos tecnológicos para preservar a documentação.


E acusam de ”negligência, desleixo e falta de responsabilidade”  principalmente João da Silva Torres e Carlos  Orione pelo fim da memória do futebol de Mato Grosso. Entre seu período de interventor na FMD, de 31 de maio de 1976 até a eleição de Torres, que substituiu em 1986, Carlos Orione, recentemente falecido, ocupou a presidência da FMD-FMF por 39 anos...  

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Velha utilizava pedrinhas em um tabuleiro para mostrar como o Mixto devia jogar...


Nelson Vasques e Zico 
(Foto arquivo Nelson Vasques)
Passou pelo Mixto em 1976 um treinador oriundo do futebol carioca chamado Velha. Mas ele não ficou muito tempo no clube, pois na seletiva que apontou o representante de Mato Grosso no Campeonato Nacional daquele ano – o Mixto – o alvinegro foi dirigido por Roberto Jesus César, o Careca, que em seguida perdeu o cargo para o retranqueiro Milton Buzzeto.

Muito esperto, Velha trouxe uma inovação para o futebol mato-grossense: na hora de transmitir aos comandados suas orientações sobre a forma que cada um devia se postar em campo, ao invés de usar um quadro negro ou uma prancheta, como todo treinador faz, ele colocava um tabuleiro no chão e utilizava pedrinhas para simular a movimentação dos 11 jogadores. 

Na inauguração oficial do Estádio Governador José Fragelli, o Verdão, com quase 50 mil torcedores, o Mixto decidiu com o Flamengo, o Rio de Janeiro, o quadrangular que reuniu também Dom Bosco e Operário Várzea-grandense. Jogo duro contra um Flamengo que tinha Zico, Cantarelli, Júnior, Toninho e Geraldo, os dois já falecidos, Liminha...

Tabuleiro no chão e os jogadores em pé em sua volta, na hora de colocar as pedrinhas nas 11 posições, faltou uma, justamente a que “representava” Zico, o grande astro rubro-negro. Velha coçou a cabeça e disse com ar de preocupação: “Se esse cara já começou a dar trabalho aqui, imagina lá dentro de campo...” , provocando sorrisos da boleirada.

Depois de muita procura da pedrinha que faltava e que supostamente alguém havia escondido para sacanear Velha, ela apareceu. No final da preleção, o "xerife" Nelson Vasques tranqüilizou o treinador: “Deixa essa pedrinha comigo...”

Deixaram. E Nelson Vasques exerceu uma cerrada e eficiente marcação cerrada em cima de Zico, tornando-se uma verdadeira sombra do astro rubro-negro dentro do campo. Mas mesmo com a brilhante atuação de Nelson Vasques, eleito o melhor jogador em campo, o Flamengo ganhou o jogo por 1x0 e o torneio, com um gol de pênalti que o próprio Zico “cavou” em cima do zagueiro mixtense. A bola chutada por Zico bateu no poste, no pé do goleiro Saldanha e entrou para desespero de Velha, que logo depois perdeu o emprego...





terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Justino era bamba em um nó...

O lateral esquerdo Justino, conhecido também como Guará, que havia rodado muito pelo interior paulista e chegou ao Operário no final da década de 70, tinha um grande orgulho na vida: ser técnico em eletrônica. O jogador jurava que tinha feito um desses cursos por correspon­dência e inclusive exibia na porta da oficina que ele havia montado nos fundos da “república” do tricolor na Avenida Couto Magalhães num belo quadro um diploma que comprovava sua profissão e de cuja autenticidade muita gente duvidava.
Justino até podia não ser um grande técnico em eletrônica, como ele apregoava, mas para dar um nó nos outros, era daqui pra ali. Torcedores ope­rarianos que levaram seus aparelhos eletrônicos para Justino consertar, para dar uma força ao jogador, gastaram muita sola de chinelo, tênis e sapato para tê-los de volta. Quando conseguiam...
Uma vez, um fazendeirão de Poconé deixou na oficina de Justino uma daquelas gigantescas e antigas televisões com caixa de madeira para ele consertar. O fazendeiro voltou muitas vezes à oficina para pegar o televisor que nunca ficava pronto...
Um dia o fazendeiro entrou na concentração, aproximou-se de um grupo de jogadores e perguntou, com cara de poucos amigos: “Cadê o Guará?”
– Está lá nos fundos – responderam os jogadores em pânico com o tamanho do cano do 38 que o fazendeiro exibia acintosamente na cintura.
– Temos que fazer uma coisa pelo paizão – sugeriu Zé Mário, que Justino tinha criado desde pequeno e que fez muito sucesso pelo Brasil afora. como jogador de bola. Todos aprovaram a sugestão, mas ninguém teve cora­gem de ir até a oficina encarar o fazendeiro para dar um apoio moral a Justino naquela aparentemente delicada situação...
Passado um tempão, quando o clima entre os jogadores era dos mais tensos, com o grupo esperando pelo pior, os dois aparecem abraçados, cami­nhando em direção da porta onde estava a caminhonete do fazendeiro – de novo sem a televisão – e com Justino falando alto: “Vou chegar bem cedo, quero tomar leite no curral, tirado na hora da vaca, ainda bem morninho...”
Não demorou muito e Justino estava de volta. Ao passar pelo grupo de jogadores, a maioria dos quais o chamava também de paizão, comentou, sem ninguém lhe perguntar nada: “... e ainda comprei o revólver dele, fiado, para pagar daqui a quinze dias...”
Em 1979, recém-chegado ao Operário, Zé Pulula estava na “repú­blica” em uma manhã de sábado quando apareceu Justino, desesperado com a mão na cabeça, andando de um lado para outro. Zé Pulula quis saber de Justino qual era o problema.
           Depois de uma caprichada encenação, Justino explicou que precisa­va levar naquela hora sua noiva para o Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá, porque seu caso era muito grave e ele estava desprevenido de dinheiro. Zé Pu­lula ofereceu então seu Chevette para Justino resolver o problema emergencial de saúde de sua noiva. Justino garantiu que devolveria o carro no máximo até ao meio-dia.
Passavam-se as horas e nada de Justino aparecer com o carro. No­tando a aflição de Zé Pulula, o treinador operariano Totinha perguntou ao jogador qual era o problema. Quando o jogador explicou o que era, Totinha disse apenas: “Esqueça, Pulula!...” e saiu dando risadas.
No domingo, lá pelas 9 horas, o Chevette de Pulula estava na porta da concentração do Operário lavadinho e impecavelmente polido, sem ne­nhum vestígio da farra que Justino tinha feito no sábado nos locais de banho de Chapada dos Guimarães...
Apesar de ter aprontado rolos a dar com pau em sua longa passagem pelo Operário, Justino sempre foi um bom caráter e era muito admirado por muitos jogadores que o consideravam como um pai. Justino morreu a alguns anos numa trombada de bicicletas. Isso mesmo: a bicicleta que o ex-jogador pedalava se chocou com outra, na Avenida 31 de Março, em Várzea Grande, e na queda ele bateu violentamente a cabeça no asfalto e morreu na hora...

(Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

São Cristovão e Vila Nova perderam a conta dos jogos entre si

Dito Coró
Ao longo de suas existências – o São Cristóvão Esporte Clube, do  bairro Araés, foi fundado em 1961, e o Vila Nova Futebol Clube, de Bom Sucesso, em 1951 – disputaram tantos amistosos que dirigentes e jogadores dos dois clubes não têm a menor ideia de quantos jogos foram. O São Cristóvão desapareceu na década de 70, enquanto o Vila Nova continua em atividade, firme como uma rocha.

— Mas não é nem sombra do Vila Nova dos velhos tempos...” – recorda com saudades Joaquim Leite da Rosa, o Vovô Painha, hoje com 86 anos e que foi de tudo no clube – de presidente por dois mandatos consecutivos, num total de cinco anos, a carregador de uniformes da equipe, nas longas caminhadas de Bom Sucesso até os locais onde o time ia jogar...

Era convencional naqueles tempos, o clube que se deslocava para jogar um amistoso receber um “sinal” -- um pequeno valor em dinheiro -- como garantia de que o adversário iria retribuir a visita numa ocasião oportuna. Mas o São Cristóvão nunca quis receber a visita do Vila Nova. Por um simples motivo: não tinha como retribuir a mordomia que o clube de Bom Sucesso proporcionava a seus jogadores.

No período de estiagem, o São Cristóvão saía de manhã bem cedinho no domingo para chegar com tempo de descansar para jogar à tarde. Na época das chuvas, porém, a viagem tinha que ser antecipada para sábado, porque as estradas que ligavam o Araés a Bom Sucesso viravam um lamaçal só. Por isso, muitas vezes os jogadores passavam mais tempo no chão empurrando o caminhão do que em cima da carroceria...

Lembra Benedito Ferreira dos Santos, o Dito Coró, que foi dirigente, treinador, jogador, roupeiro, sapateiro, profissão que exerce até hoje, apesar dos seus 80 anos  – que os diretores do Vila Nova, não faziam economia para a boleirada do São Cristóvão ficar inteiramente à vontade nas exibições em Bom Sucesso.

Para começar, na casa onde os jogadores iam almoçar, geralmente a do presidente (por 15 anos seguidos) do Vila Nova, Gijon da Silva, na entrada sobre uma mesa com copos um garrafão  com cachaça de alambique para o pessoal abrir o apetite. Claro, que depois da primeira rodada, a rapaziada fazia uma vaquinha para comprar outra e mais outras e ia bebendo até a hora do almoço.ser servido.

Com a fartura de peixes do Rio Cuiabá, na hora do rango era mojica de pintado/cachara, piraputanga assada, pacu frito, bagre ensopado. A boleirada se empanturrava de tanto comer. Depois do almoço, se tinha jogo de times suplentes, os chamados “cascudos”, os jogadores iam para o campo enquanto os titulares ficavam no rio “jiboiando” e curtindo as então belas praias de Bom Sucesso até a hora de entrar em campo.