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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Mixto deu o golpe no Atlético Goianense e ficou com o passe de Traíra de graça


O ponteiro direito Traira (já falecido) saiu de Goiânia
escondido no porta-malas do carro de José Luiz.
 (Foto: arquivo pessoal de Nelson Vasques)
Foi de caso muito bem pensado que o diretor do Departamento de Futebol do Mixto, José Luiz Paes de Barros, e o assistente técnico do treinador Milton Buzzeto, Roberto de Jesus César, o Careca, viajaram para Goiás, para cumprir uma missão que lhes foi confiada pelo presidente do alvinegro, Lourival Fontes: resolver a situação dos jogadores Traíra, Zé Luiz e Lourival, que haviam defendido o clube no Campeonato Nacional de 1976 e cujo prazo de empréstimo do Atlético Goianense encerrava-se dia 31 de dezembro daquele ano.

Por uma questão de estratégia, José Luiz e Careca só chegaram a Goiânia nos últimos dias de dezembro. Apesar da opção para contratar os três, na realidade o Mixto só estava interessado mesmo em Zé Luiz, que não queria nem ouvir falar de Cuiabá, pois estava muito bem no São José FC, de São José dos Campos, de São Paulo. Lourival, que havia jogado inclusive pelo São Paulo FC, já estava com 34 anos nas costas... Restava Traíra, das três opções.

De cara, o Atlético Goianense criou um problemão para liberar Traíra, cujo passe estava fixado em Cr$ 70 mil (cruzeiros): queria que Pastoril.fizesse parte da transação. Mas o Mixto já tinha acertado praticamente a venda de seu meia armador com o Goiás, um dos grandes rivais do Atlético Goianense.

-- Se vocês cobrirem a oferta do Goiás pelo Pastoril, o Mixto desfaz o negócio com eles – propôs José Luiz. No entanto, a sugestão do mixtense não vingou de imediato, para satisfação do dirigente alvinegro, que queria mesmo ganhar tempo para o dia 31 de dezembro chegar logo...

Apesar da insistência do Goiás para contratar Pastoril, o Mixto não tinha nenhuma pressa para vender seu jogador. Acontece que Pastoril tinha feito uma grande temporada em 1976 defendendo o Mixto e seu passe estava muito valorizado, apesar dos maus momentos que ele passou em Cuiabá caindo em desgraça diante da torcida alvinegra, inclusive sofrendo ameaças de agressões nas ruas. 
   
Mas por que essa reação da torcida contra o ex-ídolo? Simples. No Campeonato Nacional de 1976, o Mixto venceu o Vasco da Gama por 1x0 no Verdão, com Pelezinho marcando um gol olímpico no experiente goleiro Mazzaropi. No jogo de volta, em São Januário, no Rio de Janeiro, o Vasco da Gama venceu pelo mesmo placar registrado no Verdão  e eliminou o Mixto do certame.

A razão de Pastoril ter caído em desgraça diante da torcida alvinegra:  no final do segundo tempo do jogo em São Januário, o juiz marcou um pênalti a favor do  Mixto e que se convertido em gol classificaria o representante de Mato Grosso para a fase seguinte do certame. Encarregado da cobrança da penalidade máxima, Pastoril, permitiu a defesa de Mazzaropi, causando consequentemente a eliminação do seu time...

Exímio cobrador de pênaltis, Pastoril passou a ser acusado pela torcida de ter facilitado a defesa de Mazzaropi para classificar o Vasco da Gama, de cuja “escolinha” os dois eram crias. A torcida descobriu até que Pastoril e Mazzaropi passavam horas treinando penalidades máximas um contra o outro para imputar ao então jogador mixtense a pecha de “vendido”, além de adjetivos impublicáveis, que o acompanharam por muito tempo...

Chegou o tão esperado, por José Luiz e Careca, dia 30 de dezembro – dia 31 os bancos não abrem, pois fecham para balanço. Depois das 16 horas, José Luiz e Careca comunicaram diretores do Atlético Goianense que o Mixto havia depositado na tesouraria da ainda Federação Mato-grossense de Desportos (FMD), que virou FMF em 1979, um cheque de Cr$ (a moeda que havia entrado em vigor em 1970) 70 mil correspondente ao valor do passe de Traíra.. Passaram inclusive os telefones de Carlos Orione e Lourival Fontes, caso quisessem  confirmar  depósito do cheque...
  
Para dar uma demonstração que o Mixto estava agindo com lisura na transação de Traíra, na impossibilidade de sacar tanto dinheiro para pagar o Atlético Goianense, José Luiz foi até o Fórum depositar um cheque seu no valor do passe de Traíra, mas o Judiciário já estava em recesso de fim de ano... o dirigente mixtense sabia muito bem disso. Tudo estava caminhando como havia sido planejado.

Depois de muita confusão e tumultos, José Luiz conseguiu que uma Delegacia de Polícia Civil de Goiânia aceitasse ficar como depositária fiel do seu cheque pessoal para pagar o Atlético Goianense assim que os bancos reabrissem depois das festas de fim de ano. Ele conseguiu, inclusive, um documento para anexar a um futuro processo na eventualidade do clube goiano decidir contestar na Justiça Desportiva e Comum a forma como o Mixto estava pagando o passe de Traíra...

Depois de tanto “rolo” e com medo de uma reação da torcida, que não aceitava que Traíra deixasse o Atlético Goianense, o jogador saiu da capital goiana escondido no porta-malas do carro de José Luiz. E só depois de um longo trecho da viagem, Traíra saiu da incômoda posição e sentou-se no banco do veículo.

Na segunda-feira, Traíra assinou novo contrato com o Mixto. Enquanto o alvinegro providenciava rapidinho o registro de seu novo jogador, Traíra, ainda assustado com o tinha acontecido envolvendo sua transferência, foi levado para uma chácara às margens do Rio Cuiabá, onde passou dez dias pescando, comendo peixe e descansando...

Com o novo contrato de Traíra, o Mixto tratou imediatamente de sustar o pagamento do cheque que José Luiz havia deixado na Delegacia de Polícia de Goiânia. Quando os dirigentes do clube goiano procuraram a tesouraria da FMF para receber o dinheiro da transferência de Traíra, descobriram que não havia cheque algum  depositado em nome do Atlético Goianense. E só aí entenderam que haviam sido vítimas de um verdadeiro golpe. E nunca viram a cor de um centavo da transferência de Traíra para o Mixto...  


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Carrapichos em duas camas e muita confusão no hotel

Ninguém se recorda se foi em 1957 ou 1958 que o todo poderoso Clube Atlético Mato-grossense pegou a estrada mais uma vez -- naqueles tempos aviões de carreira eram coisas raras na região -- para ir a Campo Grande enfrentar o Operário ou o Comercial, ninguém se lembra também.

Era um simples amistoso, mas a rivalidade que existia no futebol entre os times das duas principais cidades do Mato Grosso indiviso, transformava qualquer jogo numa verdadeira guerra.

A delegação atleticana, sempre comandada por Décio Matozo, chegou a Campo Grande, no sábado bem cedo, com tempo suficiente para descansar  para o jogo no dia seguinte. A viagem, apesar de cansativa  -- são 700 quilômetros entre Cuiabá e Campo Grande – pela então esburacada e poeirenta  BR-163, que sai de Tenente Portela-RS e termina em Santarém-PA, transcorreu tranqüila e, como sempre, muito animada.

Hospedada em um hotel da Rua Rio Branco, a delegação saiu para jantar mais cedo, no centro da cidade, para ficar em regime de concentração até a hora do jogo. Considerado o time da elite cuiabana, o Atlético Mato-grossense sempre manteve um time fortíssimo. Tanto é que quando o time jogava, a preocupação da torcida era saber de quanto a equipe havia ganhado o jogo porque a vitória era certa. Foi assim durante muitos anos. Também um time que tinha Fulepa, Portela, Iauro, Sebastião, Nato,  Ariel, Mário Tatuzinho...

Na volta para o hotel, por sugestão de Portela, alguns jogadores, que estrategicamente foram ficando para trás, começaram a pegar com muito cuidado para não se ferirem carrapichos na rua Rio Branco. Antes dos jogadores subirem para os quartos que já haviam ocupados, o grupo, disfarçadamente, colocou os carrapichos dentro do travesseiro de Fulepa e sob o lençol da cama de Paulinho, goleiro reserva de Fulepa.

Quando os dois deitaram e sentiram as doloridas ferroadas dos carrapichos, pularam furiosos das camas. O grupo que autor da brincadeira, tomou as dores de Fulepa e Paulinho, incentivando-os a descer ate a portaria para exigir providências da gerência do hotel. Houve até quem levantasse suspeita que os carrapichos tinham sido uma armação dos adversários do dia seguinte...

Já acostumado com esses tipos de brincadeiras, principalmente quando Portela estava presente, Fulepa se acalmou logo. Mas Paulinho que queria porque queria procurar a gerência do hotel para tirar satisfação e só a muito custo foi contido pelos companheiros. E, como sempre, a palhaçada terminou em gostosas gargalhadas...     


         

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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A morte está “apagando” a memória do futebol mato-grossense


Uma pesquisa memorial que vem sendo realizada pelo médico veterinário Manoel de Aquino Filho, o Lito, que durante mais de uma década brilhou intensamente como atacante do Mixto Esporte Clube, está constatando que muitos jogadores e outros personagens que ajudaram a construir a história de futebol e do seu rico folclore em Mato Grosso morreram nas últimas pouco mais de três décadas, deixando a memória desse esporte no Estado mais pobre.

Alguns morreram de forma trágica: Pelezinho e Tuta foram vítimas de acidentes de carros; Justino, faleceu em conseqüência da queda de uma bicicleta na Avenida 31 de Março; Severino Bispo, o sargento da PM Severino, foi assassinado a tiros ao tentar apartar uma briga comum em um bar no bairro Dom Aquino em Cuiabá...

Só da família Gonçalves, cujos irmãos Leônidas, Ariel, Pelé, Acácio e Marcelo, que jogando juntos em um mesmo time ou em equipes diferentes, encantaram multidões nos estádios do Liceu Cuiabano,e Dutrinha ou em simples campos de peladas espalhados pela Grande Cuiabá, perdeu três craques. O primeiro a morrer foi Leônidas, no distante 1989, depois Ariel e o último Pelé. Do quinteto dos irmãos Gonçalves, cuja estrela de maior brilho foi Leônidas, que além do futebol era craque também no vôlei e no basquete, restaram Acácio e Marcelo.

O levantamento de Lito revelou que o clube que perdeu o maior número de jogadores para a morte nos últimos anos foi o Mixto Esporte Clube. Só goleiros foram quatro: Dito Gasolina, Júlio César, Tira e Zeno. Outros goleiros já falecidos, são: Clóvis (Dom Bosco) e Mauro e Saldanha (Operário Várzea-grandense).

Faleceram também do Mixto, além dos zagueiros Severino Bispo e Armindo (Pelé) Gonçalves; os meio campistas Aírton Moreira, o Aírton Vaca Brava, Edy, Rômulo e Romeu Roberto; e os atacantes Catarino, Sargento (Caruncho) Magalhães, Jaburu, Bianchi, Albino Paraguaio e Adavilson (Pelezinho) Cruz.

A morte de Pelezinho ocorreu em 1981, quando ele bateu seu carro, um Passat 0 km, em um poste da Avenida Fernando Correa da Costa após sair da Lanchonete Chuá em direção a Boate Sayonara para uma noitada de carnaval. Com ele, morreram três amigos, ficando gravemente ferido o jovem craque Remo, irmão do recentemente falecido Rômulo, e que como o mano brilhou no Mixto.

Do velho Clube Atlético Mato-grossense, dos irmãos Matozo, morreram Sarobá, Batista Jaudy, Platibanda, Emílio e Ariel; do Dom Bosco, Ronaldo, Tom, Xaxá, Carmindo, os irmãos Traçaia (José e Totó Traçaia); do Palmeiras, Leovaldo, Nide, Lício Malheiro; Tenente Bosco, Paulinho Pascoal e Gete; do Postal Esporte Clube, Quincas e Alinor; do Operário Várzea-grandense, Alair, Martinho, Bife, Ide, JK, Piquete, Gebara e Justino; e os irmãos Uir e Uírton e Dunga, que jogaram em vários times da Baixada Cuiabana.

Outros importantes personagens que ajudaram a escrever a história do futebol mato-grossense e o seu riquíssimo folclore e que já partiram para outra: Ranulfo Paes de Barros, Wilson Diniz, Dr: Zelito Monteiro, Benedito Ribeiro (Lilito) Costa, Lino Miranda e Benedito Lisboa do Nascimento (Mixto), Rubens dos Santos (Operário); Acyr (Piquira) Matozo e José Oliveira (Atlético Mato-grossense) e Joaquim de Assis (Dom Bosco).

Da crônica esportiva morreram Ivo de Almeida, Eduardo Saraiva, Márcio de Arruda e Edipson Morbeck e Romeu Roberto, que depois de deixar de jogar bola militou no rádio esportivo como Memeu Roberto. Outros personagens que passaram a fazer parte da história do futebol mato-grossense: os torcedores Nhá Barbina (mixtense) e Armindo Pipoqueiro (dombosquino)...

Lito está muito preocupado com a falta de um registro obituário, que devia se feito pelas autoridades ligadas aos esportes, “para preservar a memória daqueles que não fazem mais parte do nosso convívio”. Para Lito, as pessoas citadas no levantamento que ele vem realizando e neste trabalho “deixaram significativa.parcela de contribuição para continuidade da história do futebol mato-grossense e que jamais poderá morrer...”

Campinho do Cai-Cai revelou talentos da bola e pernas de pau medrosos...


Pindu (foto cedida pela A Tribuna)
Quem diria que uma pequena área que englobava trechos das avenidas Dom Bosco, Ipiranga e São Sebastião no bairro Goiabeiras e que se tornou muito conhecida por ter abrigado durante muitos anos o cemitério do Cai-Cai onde foram enterradas no século passado cerca de três mil pessoas vítimas da varíola, a popular e temida bexiguinha, acabasse revelando jogadores que marcaram época no futebol cuiabano.

Mas foi isso que aconteceu mesmo. Dentre tantos craques que deram seus primeiros passos no campinho do Cai-Cai ainda hoje são lembrados Pedro Parada, que jogou no Palmeiras e no São Cristóvão; Aírton, também do São Cristóvão; Danilo, que andou pelo Mixto e o Anápolis; Carmindo, do Dom Bosco; Duduca, do Operário Várzea-grandense e Catraca, que atuou também em vários times.

Depois daquela “safra” de jogadores talentosos, a garotada do Cai-Cai até que tentou recuperar a fama daquela região no futebol. Todas as tardes, a meninada se reunia no campinho e partia para  os tradicionais “rachas”, que, no caso deles, ao contrário do que acontecia com os boleiros da velha guarda que lhes servia de exemplos – não em tudo, claro! -- podiam terminar bem cedo...

Acontece que o campinho ficava em frente a Igreja Nossa Senhora do Carmo, ocupando meia rua do lado do cemitério do Cai-Cai . Como dentro do cemitério existiam alguns pés de mangas de grandes copadas, tornando área a bem escura, quando a bola caía lá, principalmente no fim da tarde, ficava no local até o dia seguinte, porque o medo que a meninada tinha do cemitério, não deixava ninguém  entrar no “campo santo”  para pegá-la...

Entre a turma da nova geração do Cai-Cai, só um jogador se destacou no profissionalismo: Pindu, que teve brilhante passagem pelo União, de Rondonópolis. Depois de encerrar a bem sucedida a carreira de jogador, Pindu virou preparador físico do clube rondonopolitano.
   
Criado pelo presidente da Província de Mato Grosso, José Vieira Couto de Magalhães, exclusivamente para sepultar ou simplesmente queimar  as vítimas da bexiguinha,  o cemitério do Cai-Cai foi desativado há muitos anos, com a sua área sendo revitalizada e transformada na atual Praça Manoel Murtinho. A última catacumba de grande porte do cemitério foi demolida pelo Exército, com a presença de muitos oficiais graduados, recorda dona Cristina Nascimento Silva, que mora defronte ao antigo “campo santo” há mais de meio século.