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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Treinador do Luverdense foi demitido por causa de uma “peneirada”...

Orlando Antunes
Em países onde a sobrevivência de treinadores de futebol de todos os níveis depende exclusivamente de resultados positivos – como é o caso do Brasil – esses profissionais também perdem o emprego pelos mais bizarros motivos. E em Mato Grosso, onde o profissionalismo foi implantado em 1967, algumas demissões de técnicos foram tão inusitadas que passaram a fazer parte do folclore do futebol estadual.

1971: o Palmeiras, do Porto, jogava em Campo Grande, contra o Comercial, pelo Campeonato Estadual. Terminado o primeiro tempo, o treinador Aírton Moreira, o Aírton Vaca Brava, ficou no campo dando entrevistas. Ao descer para o vestiário, encontrou a porta fechada. E a porta só foi aberta para o presidente Délio Oliveira anunciar que Vaca Brava estava demitido e o novo técnico alviverde a partir daquele momento era o argentino Juan Rollon...

1976: o técnico Roberto de Jesus César, o Careca, estava fazendo a preleção para o jogo que o Mixto ia disputar dali a pouco contra o Operário na decisão da vaga para o Campeonato Nacional daquele, quando o presidente mixtense Lourival Fontes chegou ao Hotel Mato Grosso. O massagista Benedito do Nascimento Lisboa não o deixou entrar na sala onde Careca conversava com a rapaziada. Careca foi demitido na hora por Fonbtes. Mas com a histórica vitória do Mixto por 3x2 a demissão deu em nada...

Agora, ser demitido por causa de uma “peneirada” é um fato inédito no futebol mato-grossense. Mas foi o que aconteceu, com uma figura muito conhecida nos meios esportivos, por causa de causa de sua longa carreira como árbitro de futebol no Paraná e em Mato Grosso e ultimamente como jornalista esportivo: Orlando Antunes.

No linguajar esportivo, “peneirada” é simplesmente treinos ou competições relâmpagos que clubes organizam periodicamente para que seus “olheiros” e até diretores possam avaliar as condições técnicas de garotos e até rapazes de idades mais avançadas que sonham em se tornarem “astros” da bola. Muitas vezes, seus pais sonham mais do que eles e bancam suas despesas quando ficam sabendo que clubes famosos vão realizar “peneiradas”.

O lateral direito Cafu, por exemplo, era participante renitente de “peneiradas”. Era reprovada em uma, mas na próxima de que ficava sabendo lá estava ele brigando para conquistar seu espaço no futebol. Sua insistência acabou dando certo, com Cafu se tornando jogador de bola. Tanto é que disputou várias Copas do Mundo como titular da Seleção Brasileira.

Em 2004, Orlando Antunes foi contratado para trabalhar como supervisor do Luverdense Esporte Clube, de Lucas do Rio Verde. No dia que ele se apresentou para iniciar seu trabalho, o treinador Diniz, que estava tentando montar o time que hoje disputa a Série B do Campeonato Brasileiro e é o xodó dos luverdenses, pediu as contas e voltou para Sorriso. O então e até hoje eterno presidente do Luverdense, Helmute Lawisch, não pensou duas vezes e virando-se para Orlando Antunes, disse-lhe no seu linguajar gauchesco: “Tu é o novo treinador a partir de agora...”

Escudado na sua longa vivência no mundo da bola como árbitro e os conhecimentos que havia acumulado em um curso de treinador de futebol, Orlando Antunes topou o novo desafio. Mas como montar um time de futebol em uma cidade que nem campos possuia? A moçada luverdense preferia o futebol soçayte e o futebol de salão, atividades esportivas muito prestigiadas pelas grandes firmas do município, e que lhes proporcionavam bons empregos...   

A decisão do hoje poderoso LEC era montar um time para disputar a principal divisão do futebol mato-grossense naquele ano. Uma determinação do presidente Helmute a Orlando Antunes: aproveitar o máximo de “pratas da casa” na equipe profissional. As “peneiradas” iniciadas por Diniz para formar a base tiveram sequência sob o comando de Orlando Antunes.

Depois de muitos treinos com a participação de quase 300 candidatos a boleiros nos campinhos de Lucas do Rio Verde, inclusive à noite, porque muitos deles, trabalhava durante o dia, o técnico marcou um coletivo para o local onde seria construído o atual Estádio Passo das Emas e que tinha dimensões oficiais. De tudo o que viu, apenas uns sete garotos de 17 e 18 anos chamaram a atenção de Orlando Antunes. Entre eles, Dudé, jogador versátil e único profissional do grupinho.

Antes do coletivo final, Helmute teve que fazer uma viagem de emergência, mas deu uma ordem expressa a Orlando Antunes: “Não dispense ninguém antes de eu voltar da viagem!...”

Terminado o coletivo, Orlando Antunes colocou os jogadores numa roda no centro do campo, pegou uma prancheta para nominar quem deveria se apresentar na segunda-feira. Entre os jogadores adultos que vinham participando das “peneiradas” não sobrou ninguém. “Minto. Sobrou Dudé...” – recorda Orlando Antunes.


Na segunda-feira bem cedo, já em Lucas do Rio Verde, Helmute Lawisch convocou Orlando Antunes para uma conversa e foi curto e grosso: “Tu não é mais treinador do time. Trocastes os pés pelas mãos e não me obedecestes. Estás fora e vai continuar somente como supervisor...”

Para Orlando Antunes deve ter sido a primeira vez que um treinador perdeu o cargo por causa de uma “peneirada”...    

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Contra o racismo, Batista Jaudy acabou, na bala, com carnaval do Dom Bosco...

Pinah com Jaudy na inauguração da sede
 Vestido como um autêntico sheik (líder muçulmano que se torna chefe de um país, uma região, uma cidade...), inclusive com direito a um serviçal negro para abaná-lo com um grande leque durante a festa, como era costume no Oriente Médio e na Ásia – uma tarefa que cabia a eunucos (escravos que eram castrados para trabalhar nos haréns) para seus donos não correrem riscos de ser traídos...

Foi com a originalíssima fantasia que o carnavalesco João Batista Jaudy chegou à principal portaria do Clube Esportivo Dom Bosco, no carnaval de 1973, bem no clima da festa momesca... já curtindo o sucesso que certamente ia fazer naquela noite!

Mas aí surgiu um probleminha que terminou virando um problemão e acabou na Polícia: a pessoa que Batista Jaudy havia contratado para abaná-lo durante a festa, como parte de sua fantasia, não fazia parte do quadro de sócios do Dom Bosco e não podia entrar. De jeito nenhum!

Batista Jaudy interpretou a decisão dos porteiros e de diretores do clube como uma inaceitável demonstração de racismo e armou a maior confusão. Depois de muito bate-boca, xingamentos, palavrões, empurrões, quedas, Jaudy deixou a sede do Morro da Colina, acompanhado do seu humilhado “escravo”, mas antes advertiu: “Me aguardem! Eu já volto...!”

Diretor do azulão, naquela noite Jorge Fava estava na portaria lateral do Dom Bosco em companhia da esposa Catharina da Costa e Silva Fava, grávida do primeiro filho do casal, Mário Giórgio Fava, hoje com 44 anos, quando de repente surge Batista Jaudy com um revólver em cada uma das mãos.

– Eu só tive tempo de dizer para mulher vamos nos esconder numa dessas salas que vai ter tiroteio aqui. E teve mesmo. Foi um esparrama geral no clube, que não teve nem carnaval naquela noite – lembra Fava.

E nem podia ter carnaval mesmo, pois muita gente foi levada à Polícia para prestar depoimentos sobre a confusão e os tiros na sede dombosquina. Mas a confusão causada por Jaudy acabou sem maiores consequências, com algumas pessoas envolvidas no tumulto fazendo as pazes e inclusive pedindo desculpas umas as outras. Entre elas, Batista Jaudy, naturalmente, o principal pivô do bafafá.

Para Fava, Jaudy devia estar muito alterado para acusar o Dom Bosco de racismo no episódio que teve grande repercussão na imprensa. “Afinal – lembra ele – o próprio presidente do Dom Bosco, José de Carvalho, era preto...”    
     
O personagem que levou Jaudy a se envolver naquele rolo, ao aceitar trabalhar como “escravo” do carnavalesco na festa dombosquina, era um simples lavador de carros e que exercia sua atividade nas praças Alencastro e da República. Seu nome: Clemente, que com o tempo virou Quelemente e finalmente Quelé, que muita gente passou a confundir com Pelé, por causa de sua cor e da semelhança do apelido com o famoso craque do Santos FC...

Trabalhando como engraxate há 57 anos no centro de Cuiabá, Aquilino Alves da Silva afirma que Quelemente era “gente muito boa”. E era louco por circo. Como nem sempre tinha dinheiro para pagar o ingresso nos circos que apareciam na cidade, ele ficava em pontos estratégicos nos lugares onde as pessoas tinham que passar até que alguém do circo mandasse-o entrar para deixar o acesso livre.

Quelé bebia muito. E faleceu faz muito tempo – segundo Aquilino. Dizem que certa noite, Quelé dormia em um banco da Praça Alencastro, quando rolou e caiu ao chão, batendo violentamente a cabeça no cimento. Na queda, sofreu fratura do crânio e morreu...

Bom de bola, Batista Jaudy foi revelado para o futebol quando estudava no Colégio Salesiano São Gonçalo. No futebol cuiabano jogou pelo Atlético Mato-grossense, Dom Bosco e Americano. Atuou também no Operário, de Campo Grande, quando serviu o Exército, em 1957, e ainda na Associação Recreativa do Catete e na seleção universitária fluminense, quando morou no Rio de Janeiro, entre 1957 e 1960.

No tempo em que morou no Rio, fez testes no América, treinado por Martim Francisco, e no Fluminense, cujo técnico era Zezé Moreira. Fez testes por fazer e por insistência de amigos, pois seu foco era mesmo os estudos. E mesmo morando no Rio, continuou jogando no Dom Bosco. Quando tinha jogo oficial, nos finais de semana Jaudy pegava um avião, vinha para Cuiabá, jogava e retornava no primeiro voo para o Rio.
     
Durante o tempo em que morou no Rio de Janeiro, o já falecido Batista Jaudy, virou um grande carnavalesco. Tanto é que ao retornar a Cuiabá após concluir o curso de Farmacologia e se formar também em Educação Física, em Lins-SP, ele tratou de criar a Banda U, embrião que se transformou anos mais tarde no Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Independente Universitária, que ele presidiu durante cinco anos, passando depois o comando para o professor Abílio Camilo Fernandes e Jaime Okamura.

A inauguração da sede da escola, em 1984, contou com a presença da carnavalesca carioca Pinah, que voltou a Cuiabá depois para desfilar como o principal destaque da escola na Avenida Mato Grosso com o enredo “O minhocão do Pari” e que levou a multidão ao delírio. A música que embalou o desfile do GRESIU e que a multidão em êxtase cantou na avenida foi de autoria de Neguinho da Beija-Flor, que mandou um seu irmão a Cuiabá para pesquisar a lenda do minhocão do Pari, na própria Barra do Pari, para compor a letra do samba-enredo.

À época do episódio na sede do Dom Bosco, o conceituado professor João Batista Jaudy, que na sua passagem pela UFMT ajudou a criar o curso de Educação Física, que em setembro deste ano completou 41 anos, foi muito censurado pela sociedade, mas recebeu todo apoio de familiares e de muitos amigos também.

– A gente não podia esperar outra atitude dele diante daquela posição racista assumida pelo Dom Bosco – afirma Olga Jaudy, irmã de Batista Jaudy.    

 

                              

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Pai-de-santo previu goleada do Mixto... que perdeu de 4x0 para o Dom Bosco

Arquivo Google 
 Meio sem rumos, pois não conheciam muito bem a cidade, lá foram Antero Paes de Barros, diretor do Departamento de Futebol Profissional do Mixto; Roberto França, treinador; Benedito Lisboa do Nascimento, mordomo, para Várzea Grande, na tentativa de localizar um centro espírita, em busca de uma ajudazinha do além para o alvinegro, que no final de semana teria um difícil compromisso contra o Dom Bosco e precisava vencer de qualquer jeito...

Garante Nelson Tomaz, o Nelsinho’s cabeleireiro dos mixtenses, que o jogo foi pelo Campeonato Estadual de 1971, quando Roberto França, que tinha iniciado a carreira de treinador no Palmeirinhas, do Porto, teve uma curta passagem pelo Mixto. A permanência de França à frente do Mixto dependeria de uma vitória contra o Dom Bosco.

Nos meios esportivos, naqueles tempos em que se acreditava muito na influência da macumba no futebol, dizia-se que o espírito que o pai-de-santo várzea-grandense incorporava era muito poderoso no plano espiritual: ‘trabalho” feito sob sua proteção, não tinha quem desmanchava ou atrapalhava...

Definidos os detalhes que levaram o trio mixtense a buscar ajuda no centro espírita, o pai-de-santo começou a fazer suas mandingas. A certa altura, ele colocou um caldeirão com água em um fogareiro e dentro da vasilha um copo de vidro...

Quando a água iniciou a fervura, o copo começou a dar estalos, chamando a atenção dos mixtenses. Foram um, dois, três estalos, a curtos intervalos. Quando o copo deu um estalo mais forte, o pai-de-santo anunciou o fim do “trabalho”. E vaticinou: “Foram quatro estalos, o Mixto vai ganhar o jogo por quatro a zero...”

Antero, França e Lisboa voltaram para Cuiabá felizes da vida! Afinal, ganhar de  4x0 do Dom  Bosco era um grande feito.

Chegou o dia do esperado clássico, com o Dutrinha lotado. O pai-de-santo acertou em cheio no placar: 4x0... só que para o Dom Bosco!