Campeonato Mato-grossense de
Futebol no limiar da década de 1980. O Grêmio Jaciara jogava no extinto Verdão
contra o Operário Várzea-grandense e, surpreendentemente, vencia por 1x0. Mas
antes de terminar o primeiro tempo, o atacante tricolor Miltinho Goiano caiu na
área do time visitante e o juiz marcou pênalti, que convertido em gol, levou o
clube várzea-grandense a uma reação que culminou em uma goleada de 5x1contra o
“tricolor dos canaviais”, como é chamada a equipe jaciarense...
Revoltados contra a
arbitragem, dirigentes, jogadores e torcedores do clube visitante saíram do
Verdão jurando que daquele dia em diante os árbitros que fossem apitar em
Jaciara podiam preparar o lombo, porque o clube nunca mais ia ser vítima de
esbulho por parte de juízes e bandeirinhas, como o que tinha ocorrido em
Cuiabá. “Vamos quebrar todo mundo lá no pau...” – gritavam os enfurecidos
jaciarenses...
O próximo jogo do Grêmio
Jaciara seria em um domingo pela manhã contra o Dom Bosco, no Estádio “Márcio
Cassiano da Silva”. No início da semana, quando a FMF divulgou a escala de árbitro
para o jogo, recebeu um não coletivo: ninguém ia apitar em Jaciara. O
Departamento de Árbitros recorreu então ao pessoal que morava em Rondonópolis,
que fica bem perto de Jaciara, mas a resposta foi à mesma: ninguém iria...
Sem alternativas, a FMF
apelou para o veterano Wilson Eraldo da Silva, que nunca tinha tido problemas
com o pessoal de Jaciara e que topou a parada. Mas impôs uma condição: queria
como seus auxiliares Moisés Serafim Medeiros, já falecido, e Divino Rodrigues,
que eram policiais civis e que só viajavam para o interior com dois revólveres
cada um em suas bolsas...
O pessoal da FMF – delegado,
financeiro, juiz, bandeirinhas – chegou bem cedo ao estádio. E já deu de cara
com um torcedor mal encarado, exibindo ostensivamente uma peixeira na cintura e
gritando de forma ameaçadora que o juiz e os bandeirinhas do jogo iam entrar na
porrada sem dó nem piedade se o time jaciarense não saísse de campo com a
vitória...
Enfiando uma mão na sua
bolsa para ver se não havia esquecido seu desodorante spray, Wilson Eraldo da
Silva, teve uma reação que assustou o torcedor: “Ouça bem, moço: eu vim aqui
para morrer. Mas vou levar muita gente comigo. Não me obrigue a tirar minha mão
de dentro da minha bolsa, se não você vai ser o primeiro a ir comigo...”
Ao ouvir a reação de Wilson
Eraldo, o torcedor saiu do caminho deles ligeirinho. Mas nem bem entraram no
vestiário dos juízes para se tocar, torcedores começaram a jogar bombas no
local. Uma delas, de alto poder explosivo, deixou os ouvidos do pessoal
zumbindo – recorda Wilson Eraldo, que chegou a ficar momentaneamente meio surdo
com o forte estampido...
Diante de tanta pressão de todos
os lados, Wilson Eraldo foi curto e grosso na sua conversa com os jogadores no
centro do gramado antes do início da partida: “Eu não vim aqui para apitar; vim
para acabar com a carreira de vocês se não jogarem bola...” – afirmou com todas
as letras, depois de avisar, reservadamente, os dombosquinos para não entrarem
nas confusões dos jaciarenses. “O problema deles é com a arbitragem...’’ – aconselhou.
O jogo começou bem, mas aos
4 minutos surgiu a primeira confusão, com o juiz marcando uma falta contra o
Grêmio Jaciara. Os jogadores foram para cima do árbitro, que, pressionado e
ameaçado, foi recuando e conversando com os jaciarenses. Serenados os ânimos,
Wilson Eraldo foi de posição em posição e meteu cartão amarelo em cinco
jogadores do time da casa...
Aos 18 minutos, na cobrança
de um pênalti, o clube jaciarense abriu o placar, para explosão de alegria da
torcida. Em seguida ao gol, surgiu nova confusão: um zagueiro do clube jaciarense
desentendeu-se com o atacante dombosquino
Jaílson e o juiz mandou os dois para os chuveiros. Jaílson reclamou da
expulsão, mas Eraldo Wilson ponderou: “Você devia era me agradecer. Daqui a
pouco vai ter porrada aqui e você vai estar fora dessa!...”
Aos trancos e barrancos o jogo foi até o fim no primeiro
tempo, com o Grêmio Jaciara em vantagem no placar. No segundo período, aos 18
minutos, após boa troca de passes do Dom Bosco no meio de campo, Vitor lançou
Wender, um garoto bom de bola, que deu um chutão para frente, pegou o goleiro
desprevenido, e acabou fazendo um bonito gol...
Houve invasão do campo. Um
torcedor que partiu pra cima de Wilson Eraldo levou do árbitro um soco bem no
pau do nariz e começou a sangrar abundantemente. Foi a maior confusão no
“Márcio Cassiano da Silva”. Dois policiais fizeram, com os abraços, uma espécie
de uma “cela” sobre o juiz, para protegê-lo enquanto ele tentava se defender dos agressores.
Nisso, um torcedor que
também havia invadido o campo, deu uma pedrada em um sargento da PM que estava
no meio do rolo confusão. Um soldado correu atrás do torcedor e desferiu uma
violenta pancada com um cassetete na cara do agressor e o prendeu. Dos socos e
pontapés, principalmente chutes na bunda, não escaparam nem o delegado da FMF,
Ismar Gomes, e o radialista Lino Pinheiro, de A Gazeta, que estava iniciando
suas transmissões esportivas.
A pancadaria estendeu-se
também pelas arquibancadas. O ex-presidente do clube, por um curto período,
Flávio Silva Pires, estava no campo com um filho, então com dez anos, e um
amigo conhecido pelo apelido de Vascaíno. Quando um torcedor partiu pra cima
dos três, Vascaíno deu-lhe um soco, derrubando ele e mais três pessoas. A ameaça
de agressão acabou ali...
Serenado os ânimos, muita
gente foi parar na Polícia Militar. Para
complicar a situação, muitos torcedores foram parar nas dependências da PM para
exigir a libertação do torcedor preso no estádio por ferir o sargento com a
pedra. Depois de prestar depoimentos na PM, o pessoal da FMF foi levado de
volta para o estádio para pegar suas coisas e retornar a Cuiabá. A PM teve inclusive que jogar os
carros onde estava o pessoal da FMF contra os torcedores para abrir passagem.
Quando o juiz, os
bandeirinhas e os outros membros da FMF chegaram ao vestiário do estádio, uma
decepção: os torcedores haviam invadido o local e queimado as roupas do árbitro
e dos seus auxiliares, além de ter saqueado seus pertences, inclusive o
dinheiro de suas carteiras. Teve gente que retornou a Cuiabá com roupas
emprestadas por amigos. Como foi o caso de Wilson Eraldo da Silva...