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terça-feira, 27 de junho de 2017

Concentração na cadeia e fim de carreira


Foi em 1958, depois da delegação do Mixto passar um final de semana concentrada na Cadeia Pública de Campo Grande, para enfrentar a seleção amadora da cidade que o meia armador Uírton decidiu encerrar uma longa carreira no futebol mato-grossense. Isso mesmo: tração na Cadeia Pública. Os jogadores dormiam em redes de cordas da Aero­náutica e comiam junto com o pessoal da guarda da prisão.
Outro fato concorreu para Uírton tomar a decisão de parar. No de­correr do jogo, no domingo, e cujo resultado Uírton não se lembra, a seleção marcou um gol através de um jogador que era cabo da Aeronáutica. Para co­memorar o gol, o militar pegou a bola e deu um chute de peito de pé nela, fazendo a rede estufar.
O zagueiro Nascimento Cachorra interpretou o gesto do adversário como uma ofensa e não vacilou: deu um violento pontapé na perna do adver­sário. Pronto! Estava armado o maior pampeiro. Enquanto o cabo rolava no chão, simulando uma contusão grave, a torcida invadiu o campo e partiu para a agressão contra os mixtenses.
Em minoria, os jogadores alvinegros se defendiam como podiam, mas estavam levando porradas de todos os lados da torcida campo-grandense. Só não houve um massacre nesse jogo porque de repente entrou em campo um numeroso grupo de tenentes do Exército que estavam fazendo um estágio numa unidade militar de Campo Grande e conseguiu dominar a situação.
Muitos mixtenses saíram de campo machucados. Uir, irmão de Uír­ton, teve que ser carregado para o vestiário, pois não conseguia nem andar. Ele tinha levado numa das pernas uma violenta bicuda de um torcedor que estava calçado de botina e tinha entrado na pancadaria para bater nos mixtenses.
Na realidade, desde que deixou o Atlético Mato-grossense para ingressar no Mixto, em 1949, depois de passar também pelo Paulistano e o Operários Futebol Clube, Uírton tinha um sonho na vida: virar motorista. Ele gostava de jogar bola, mas a vontade de um dia ser motorista era muito maior...
Com sua ida para o Mixto, seu sonho começou a virar reali­dade. Aos domingos, quando não tinha jogo, o diretor do Departamento de Saúde de Mato Grosso, Henrique de Aquino, passava horas ensinando Uírton a dirigir. Os dois saíam de Cuiabá e depois que passavam a Ponte Velha, Aqui­no entregava o carro para Uírton. Naquele tempo, a hoje Avenida da FEB era uma ruela deserta...
Em setembro de 1949, Uírton recebeu sua primeira carteira de motorista. Com a habilitação na mão, ele passou a conciliar o futebol com a nova profissão. Trabalhando no Departamento de Saúde, periodicamente ele ia para Campo Grande levar hansenianos – naquele tempo, chamados de le­prosos – para tratamento na Colônia São Juliano.
Os hansenianos que iam chegando a Cuiabá eram confinados casa no bairro São João, onde ficavam aguardando o dia de viajar. Se eram poucos doentes, a viagem era feita numa ambulância do Departamento de Saúde; acima de 15, iam numa jardineira da Saúde Federal.
Recorda Uírton que ele saía com muito dinheiro para as viagens para Campo Grande e com uma ordem expressa: não deixar faltar nada para os do­entes. Além das refeições, se precisasse ele podia comprar remédios, calçados, roupas, cobertores, para os hansenianos. Era só prestar contas depois.
– Eu tinha muitas oportunidades de falsificar notas fiscais, mas nun­ca fiquei com um centavo dessas viagens – orgulhava-se Uírton, que se aposen­tou com um salário de apenas R$ 350,00 e morreu pobre.
O emprego de Uírton no Estado não durou muito tempo. Na eleição para governador de Mato Grosso em 1950, disputada por Fernando Correa da Costa (UDN) e João Ponce de Arruda (PSD), Uírton foi recrutado para traba­lhar no dia da votação. Sua função: pegar comida no Restaurante Esplanada (onde está hoje a Lojas Riachuelo, na Avenida Getúlio Vargas), numa jardi­neira da CER (Comissão de Estradas de Rodagem) e levar para os mesários de uma sessão eleitoral que funcionava num imóvel onde hoje é o Shopping Popular.
Na hora de pegar a comida, Uírton notou que havia muitos pratos com molhos e caldos que fatalmente iam derramar até ele chegar ao destino. Aí, uma mulher que acompanhava uma conversa entre Uírton e um empre­gado do restaurante sobre o problema dos pratos caldeados, ofereceu-se para levá-los no colo, pois estava indo para aquelas bandas. Ele aceitou, muito agra­decido, a gentileza da senhora.
Para chegar à seção eleitoral, Uírton tinha que passar pela casa de Ponce de Arruda. E para azar seu, uma cunhada do candidato identificou a mulher que estava na jardineira: era eleitora da UDN. Além de ter advertido Uírton por ele estar carregando na jardineira uma pessoa adversária do parti­do que apoiava Ponce de Arruda, a cunhada do candidato ainda o denunciou ao diretório do PSD. Dias depois da eleição, Uírton recebeu uma carta do dire­tório regional do PSD comunicando sua demissão do emprego...
No Mixto, clube em que Uírton jogou durante 10 anos, ganhando inclusive um tetracampeonato – 51, 52, 53 e 54 – os jogadores recebiam apenas prêmios nas vitórias (20% da renda) e empates (10%). No entanto, muitos jo­gadores caras de pau achavam sempre um jeitinho de beliscar um dinheirinho por fora dos dirigentes mixtenses, mas Uírton não. Ele tinha vergonha até de ir à Imprensa Oficial do Estado para receber do diretor do Mixto e da empresa estatal, Ranulpho Paes de Barros, os “bichos” por vitórias e empates...
A falta de perspectivas no alvinegro levou Uírton a ir fazer um tes­te num time de Uberlândia, em Minas Gerais. O centroavante Leônidas, que tinha esse nome porque era bom na bicicleta, jogada inventada por Leônidas da Silva, o Diamante Negro, tinha trocado o Mixto pelo clube de Uberlândia e havia recomendado Uírton, seu irmão Uir e o goleiro Dito Gasolina ao técnico do time mineiro.
Um empresário veio a Cuiabá buscar os três, com promessas vanta­josas. Quando chegaram a Uberlândia ficaram assustados: havia uns 100 joga­dores na “república” do clube sendo submetidos a testes. Logo nos primeiros treinos, os três mixtenses começaram a fazer sucesso, confirmando as referên­cias de Leônidas.
No dia do teste final, Dito Gasolina chegou de madrugada na “re­pública” bêbedo feito um gambá. Foi uma vergonha para os cuiabanos. Mas vergonha maior estava por vir ainda. Dito Gasolina acordou de ressaca e foi treinar. Resultado: engoliu frangos de bola chutada até do meio de campo...
Terminado o treino, o empresário comunicou a Dito Gasolina que o clube preferia o outro goleiro que estava sendo testado. Mas os irmãos Uírton e Uir seriam contratados.
Uir estava de casamento marcado em Cuiabá e avisou o empresário que depois do casório decidiria se aceitaria a proposta do clube uberlandense, que incluía, além de prêmios por vitória e empates, aluguel de casa e comida de graça para ele e a mulher. Uírton receberia o mesmo tratamento.
Mas Uírton preferiu retornar a Cuiabá para o casamento do irmão e refletir melhor se voltaria ou não. E não voltou. É que Uírton, ainda garotão, tinha tido uma desavença com um jogador do clube mineiro, de nome Djalma, que vivia gozando os cuiabanos dizendo que Cuiabá era uma cidade de índios e animais selvagens e que os três tinham que andar de mãos dadas em Uber­lândia para não se perderem...
Em 1960, Uírton arrumou uma nova mulher e foi embora para Co­rumbá, onde jogou durante seis anos no time dos motoristas da Cimento Itaú. Por ser formado só de motoristas, o time chamava-se São Cristóvão, o santo protetor dos profissionais do volante.
De volta a Cuiabá, um dia Uírton foi procurar o vice-governador, o médico José Monteiro (Zelito) de Figueiredo, para pedir que ele o ajudasse a conseguir um emprego de motorista da Cemat, que tinha acabado de com­prar uma C 10 zerinho. O vice-governador rabiscou um bilhete numa folha de caderno e mandou Uírton levar para o presidente da Cemat, um irmão do governador José Fragelli, de nome Cláudio, um sujeito prepotente que não recebia cuiabanos.
Uírton foi procurar Cláudio, com o bilhete nas mãos, porém asses­sores do presidente da empresa lhe disseram que ele não seria recebido. Mas entregariam seu bilhete a Cláudio Fragelli.
– É lá do governo. Tenho ordens de entregar pessoalmente ao presi­dente – disse com firmeza Uírton.
Foi recebido. Depois de uma ligeira conversa entre os dois, Cláudio, com o bilhete de Zelito nas mãos, disse-lhe secamente: “Chegue amanhã cedo para começar a trabalhar...”
Uírton trabalhou muitos anos na Cemat. Como motorista, vivia via­jando com um contador da empresa e cujo nome não se lembra, que saía por Mato Grosso fazendo cobranças. “Muitas vezes a gente voltava para Cuiabá com a C 10 cheia de sacos de dinheiro. Naqueles tempos não tinha esses negó­cios de assaltos desses bandidos de hoje...” – lembra ele.
Recorda Uírton que sua passagem pela Cemat foi um período de boa vida. O contador era chegadinho numa cerveja e Uírton não ficava para trás. Dinheiro era o que não faltava para os dois. “Nossa vida era só alegria...” – re­cordava com saudades.

(Reproduzido do livro Casos de todos os tempos  Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino).  

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Com a documentação queimada, Dom Bosco virou um clube sem memória


Ficar de forma irreversível sem a memória de uma história que está completando neste 2017  92 anos, por conta de uma insana vingança de um ex-presidente – este foi o alto preço que o Clube Esportivo Dom Bosco, o mais antigo do futebol de Mato Grosso (foi fundado dia 4 de janeiro de 1925) pagou pela ousadia de ter desafiado Lino Elcídio Belmonte de Miranda e impedido, através da Justiça, que o polêmico dirigente continuasse à frente dos destinos da agremiação, depois de uma década marcada por desmandos e estripulias que quase levaram o azulão à falência.

Após passar por alguns setores do clube, sempre com destaque na mídia, Lino Miranda chegou a presidência do Mixo em 1978 e ficou no cargo até 1984, levando o alvinegro a conquistar o tetracampeonato estadual em 79 (ano da divisão de Mato Grosso), 80, 81 e 82. Advogado e profundo conhecedor dos bastidores da bola, Miranda virou uma lenda do futebol pelas confusões que aprontava: comprava jogadores e não pagava; vendia e não entregava...

Em Maringá, no norte do Paraná, Miranda era conhecido como “frente fria”, pois toda vez que fazia algum negócio com o clube da cidade, o Grêmio Esportivo Maringá, era calote certo. Ele inclusive era acusado de assinar documentos com canetas cuja tinta se apagava horas depois, tornando-os sem efeito. O falecido roupeiro mixtense Benedito Lisboa do Nascimento muitas vezes foi apresentado por Lino Miranda a gerentes de bancos como presidente do alvinegro para conseguir empréstimos para o clube. Mas Lino Miranda nunca lhe passou a perna...

Depois de deixar o Mixto, Lino Miranda ficou uns seis anos no ostracismo, mas de repente apareceu no Dom Bosco. Bom de bico, astuto advogado, considerado um “avião”, no mundo da bola, disputou a eleição de 1985 e elegeu-se presidente. Em 1991, no seu segundo mandato, ele levou o Dom Bosco a ganhar o Campeonato Mato-grossense de Futebol, quebrando um jejum de mais de duas décadas, passando a ser venerado pela torcida dombosquina.

Distribuindo sem parcimônia títulos de sócio remido, Lino Miranda foi garantindo sucessivas reeleições. Na última tentativa de reeleição, porém, a velha guarda dombosquina entrou na Justiça com uma ação inominada, com pedido de liminar, que o afastou temporariamente do cargo. No entanto, Lino Miranda não desistiu e entrou com um agravo de instrumento no Tribunal de Justiça de Mato Grosso contra a ação inominada. Mas foi derrotado e, consequentemente, apeado do poder.  

A vingança de Lino Miranda pela derrota na eleição chegou ao extremo da insanidade: ele pegou toda a documentação do Dom Bosco, inclusive fotografias de importantes eventos de maior realce do clube, amontoou sob uma mangueira na sede social do azulão no Morro da Colina Iluminada, embebeu em álcool que mandou um empregado comprar e meteu fogo. “Eu vou embora Dom Bosco, mas levo a sua história comigo...” – repetia Lino Miranda, enquanto a papelada virava cinzas e ele caminhava para porta de saída do clube pela última vez...

         
        
       

   

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Rivalidade entre UDN e PSD até em concurso de beleza facilitou ao Operário construir sua majestosa sede social

A Rainha Sarita, com Renatinho, neto de
Rubens dos Santos e 1º mascote do
 Operário. (Foto: acervo Zé  Pulula)
Fundado no dia 1º de maio de 1949, com as bênçãos do bispo dom Campelo de Aragão, que tinha vindo de Goiás para criar em Mato Grosso vários Círculos Operários, considerados uma versão urbana das Ligas Camponesas que Francisco Julião, do Partido Comunista Brasileiro, espalhava Brasil afora, principalmente pelo Nordeste, o Clube Esportivo Operário Várzea-grandense, virou logo uma paixão da população de Várzea Grande. E esse era o objetivo do Círculo Operário: agrupar para fortalecer os trabalhadores.

Mas era preciso reforçar a aglutinação da torcida e não ficar restrita só ao futebol. Surgiu, naturalmente, a ideia de se construir uma sede social para promover festas que atraíssem toda a sociedade várzea-grandense, que, a exemplo da de Cuiabá, não tinha muitas opções de lazer. Porém, a construção de uma sede social custaria muito dinheiro, que o clube não tinha. 

Foi aí que surgiu outra ideia: a realização de um concurso de beleza para eleição da Rainha do Clube Esportivo Operário Várzea-grandense e cuja vencedora seria a que vendesse o maior número de votos. O dinheiro apurado com a venda de votos das candidatas seria totalmente investido na construção da sonhada sede social do clube. 

Para surpresa da sociedade várzea-grandense nada menos que seis jovens se candidataram ao concurso de Rainha do CEOV. E o dinheiro começou a entrar no clube. Sucesso à parte da grande promoção social, a surpresa maior e mais agradável estava ainda por vir: na reta final do concurso ficaram duas candidatas disputando o título (Sarita Baracat e Luzia Marques de Arruda) com a entrada em cena dos dois maiores rivais da política de Várzea Grande -- a UDN (União Democrática Nacional) e o PSD (Partido Social Democrático).

Melhor para o Operário: a UDN, liderada por Benedito Gomes da Silva e Gonçalo Botelho de Campos, dois pesos pesados da política de Várzea Grande, e o PSD, com Licínio Monteiro da Silva e Júlio Domingos de Campos, o seu Fiote, dois caciques do partido, decidiram engalfinharem-se também no esporte, investindo pesado nas duas candidatas, com os udenistas apoiando Sarita e o pessedistas, Luzia.

Resultado da rivalidade que desaguou numa briga política dentro do esporte: com o dinheiro da promoção do concurso de beleza, o Operário construiu uma bela e espaçosa sede social que ficava na Avenida Couto Magalhães, esquina com a Rua Miguel Leite, e ainda sobrou dinheiro para o clube investir no time de futebol – lembra com saudades daqueles tempos a Rainha eleita, Sarita Baracat.

A sede social do Operário foi palco de memoráveis festas, inclusive carnavalescas, que sacudiam a sociedade várzea-grandense. Artistas consagrados como Nelson Gonçalves, Agnaldo Timóteo, Lindomar Castilho, Jerry Adriani e até a popozuda Gretchen animaram bailes do Operário e que não terminavam antes do sol raiar.

Claro que muita gente de Cuiabá e até da Baixada Cuiabana participava das monumentais promoções sociais do tricolor, porem, disfarçadamente, por causa da rivalidade que sempre existiu entre várzea-grandenses e cuiabanos e que extrapolava ao futebol. E o dinheiro jorrava nos cofres do CEOV, através de suas promoções e também do seu quadro associativo.

Irmã de Rubens dos Santos -- que aboliu o Baracat do nome – mandachuva de primeira hora do CEOV, Sarita Baracat, hoje com 85 anos de idade, participou ativamente da vida do tricolor desde a sua fundação. Ela foi inclusive secretária do clube durante 15 anos, período em que reinou também como uma espécie de Rainha do tricolor.

Mesmo depois de se enveredar pela política – foi vereadora de Várzea Grande de 1957 a 1961, a primeira prefeita municipal (de 1967 a 1970) e também a primeira deputada estadual de Mato Grosso, eleita em 1979 -- Sarita continuou participando ativamente da vida do Operário, cujo velho hino sabe de cor até hoje. Foi sob sua administração que o Operário conquistou o tricampeonato profissional em 67, 68 e 69. 

Lembra Sarita que o primeiro centenário de emancipação política de Várzea Grande em 1967 foi comemorado na administração de uma prefeita, a dela. E agora, quando Várzea Grande festejou a data histórica de 150 anos, o município está de novo sob o comando de uma mulher, Lucimar Campos. 

Sarita recorda até do primeiro jogo que o Operário disputou em Cuiabá, no antigo Colégio Estadual – hoje Liceu Cuiabano Maria de Arruda Muller – e que tricolor perdeu pelo placar de 10x1. O nome do adversário ela não se lembra mais. Nesse dia – vem a sua memória também -- outro fanático torcedor tricolor, Licínio Monteiro da Silva, ficou tão furioso que chutava até a própria sombra no campo e só se acalmou quando no final do jogo Tatu marcou o golzinho operariano.

Muito ligada desde criança ao futebol, Sarita acabou se casando com um jogador de bola, Emanuel Benedito de Arruda, o Caboclo, que foi vereador e inclusive presidiu a Câmara Municipal de Várzea Grande em 1972. O cunhado de Sarita, João Garrucha, também foi político e jogador de futebol.

Sobre João Garrucha, segundo dizem, muita gente não gostou do fato de ele ter sido sepultado com a primeira bandeira do Operário, cujas letras estampadas no pavilhão tricolor comprovam que o primeiro nome da equipe várzea-grandense foi mesmo Operário Futebol Clube, com o Clube Esportivo Operário Várzea-grandense (CEOV) vindo depois.

A professora Mari Conceição Costa Campos não se lembra o ano em que um diretor do Operário chegou a sua casa, pedindo-lhe que desse os retoques finais na bandeira do clube. Era a primeira bandeira do tricolor e o trabalho tinha que ser feito com urgência. Mari nem costureira era na época – estava com 18 anos -- mas aceitou a incumbência. A bandeira já estava pronta, só faltavam alguns arremates, entre os quais, pregar as letras das iniciais do clube e cujas cores eram verdes – disso ela se recorda com certeza... 

Do passado glorioso do CEOV e cuja brilhante história ajudou a construir, Sarita guarda uma mágoa: um clube que já teve uma sede social como a do Operário e começou até a implantar sua Vila Olímpica, no Carrapicho, numa área de 38 hectares, não ter hoje nem um campinho próprio para treinar...
     
       

    


quarta-feira, 7 de junho de 2017

Canivetadas na bola enfeitiçada


Semana de muita agitação no Porto, com a aproximação de mais um jogo importantíssimo entre o Palmeiras e o Mixto pelo Cam­peonato Amador de Cuiabá no limiar da década de 60. Quem ganhasse ficava numa posição privilegiada em relação à conquista do título da temporada.

No sábado, véspera do jogo, a população do Porto, cuja adoração pelo verdão chegava às raias da loucura, amanheceu de cabelos em pé, com a circulação, de boca em boca, de uma notícia que varreu o bairro com a força de um furacão: na noite anterior, a diretoria do Mixto tinha ido a um terreiro de macumba da cidade e feito um “trabalho” da pesada para assegurar anteci­padamente a vitória no jogo de domingo.

A feitiçaria incluía até um despacho especial sobre a bola virgem que o Mixto também tinha que levar para o campo, como mandava o regulamento do campeonato, apesar do mando do jogo ser do adversário...

Apavorados, diretores do Palmeiras se reuniram às pressas para achar uma saída para desmanchar a mandinga. Mas chegaram a uma melan­cólica conclusão: de que adiantaria convocar um batalhão de pais de santos dos mais famosos da região se as divindades que eles incorporam, como os te­midos exus, caboclos e tranca-ruas, só baixam nos terreiros nas sextas-feiras?

Decididamente, o Mixto tinha feito o “trabalho” como mandam as regras da macumba, eliminando qualquer possibilidade do Palmeiras desfazer a feitiçaria...

Chegou a hora do jogo, com a torcida do Palmeiras com os cabelos mais arrepiados ainda do que já estavam, a partir do momento que a notícia da feitiçaria chegou ao Porto.

Para piorar ainda mais o estado emocional dos jogadores do Palmei­ras e a aflição dos seus torcedores, na hora de escolher a bola para o jogo, o juiz da partida, depois de examiná-las e quicá-las no gramado para averiguar se estavam adequadamente cheias, optou pela do Mixto, justamente a que havia sido “trabalhada” pelo batalhão de macumbeiros.

O campo do Arsenal, onde o Palmeiras mandava seus jogos, estava apinhado de gente. Começou o jogo e o Palmeiras levava um show de bola. O Mixto fez 1x0, 2x0, 3x0 antes virar o primeiro tempo.

Desesperado, o diretor do Palmeiras José Dias de Oliveira, filho do seu Avelino Barbeiro, famoso barbeiro do Porto, começou a circular em torno do campo, correndo de um lado para outro, para chegar onde a bola saía. Mas sempre chegava tarde.

De repente, a bola foi parar nas mãos de Zé Dias. Mas em vez dele devolvê-la rapidamente ao jogo, pois seu clube estava perdendo feio, para sur­presa de todo mundo, quando o gandula foi pegar a bola de suas mãos, Zé Dias sacou do bolso um canivete deste tamanho e enfiou até o cabo nela. E repetiu o gesto várias vezes...

O restante do jogo foi disputado com a bola do Palmeiras. Só que não adiantou nada: o Mixto ganhou o jogo de goleada...


(Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino).

quinta-feira, 1 de junho de 2017

A preguiça provocou o fim precoce da promissora carreira de Priss no futebol

Priss: vencido pela preguiça...
Encerrado o coletivo-apronto do Atlético Mato-grossense para o jogo do final de semana contra o Operário Várzea-grandense, o treinador Makários Zenagape dos Santos chamou Priss, que jogava de volante no time de aspirantes, e determinou que ele desse dez voltas completas, correndo normalmente, em torno do campo. O jogador não entendeu nada, mas cumpriu a ordem sem fazer perguntas.

Assim que Priss ou Luiz Neves de Almeida Filho -- que não sabe a origem do seu apelido -- terminou a corrida, Makários se aproximou dele e disse na presença de outros jogadores: “Você está bem fisicamente como os outros jogadores. E como o Darci Avelino – que quando foi para o Operário virou Darci Piquira – está machucado e não pode jogar domingo, você vai entrar no lugar dele na lateral esquerda...”
O garotão Priss tentou justificar que não estava preparado para um jogo daquela importância, ainda mais numa posição em que nunca havia atuado antes, mas recebeu imediatamente o apoio de Washington, Luiz Toucinho, Ditinho Olho de Bolita, Fulepa, Jeca, Portela, Lico, Mitu e outros craques consagrados do poderoso time atleticano do final da década de 1960.

Dutrinha lotado, o Atlético Mato-grossense venceu o jogo por 3x2, vitória que merecia uma comemoração especial. Empolgado, Priss decidiu comemorar o triunfo do time e o seu próprio, como titular pela primeira vez, num bailão no domingo à noite na sede social do Operário, em Várzea Grande. Queria festejar mesmo!...

Mas quando chegou na portaria do clube, acompanhado de Ditinho Olho de Bolita, foi advertido pelo companheiro: “Nem pense em se identificar como jogador do Atlético Mato-grossense porque senão vamos entrar na taca aqui mesmo na entrada, não vamos nem chegar lá dentro para apanhar...”

Priss foi titular do timaço do Atlético Mato-gossense durante mais de três anos e só guarda boas recordações dos companheiros e também de Zenagape. Uma vez, ao final de um treino do time, o quarto zagueiro Washington perdeu a aliança de casamento. O solidário Zenagape tentou ajudar o jogador, oferecendo na época o que corresponderia hoje a R$ 200,00, para quem a achasse, mas ninguém encontrou o anel...

Durante seu longo tempo de titular no Atlético Mato-grossense, Priss foi aconselhado por muita gente que o considerava um verdadeiro craque da bola a procurar outros clubes de grande prestígio da época, entre eles Mixto, Dom Bosco e o Operário Várzea-grandense, com vistas a uma eventual carreira no futebol profissional. ”Eu nunca fui procurado por eles e não iria me oferecer...” – afirma, sem nenhum arrependimento.

No entanto, por trás de sua relutância em relação ao seu futuro como jogador de futebol, com uma carreira promissora pela frente, Priss admite que se esconde uma grande verdade: ele sempre foi um preguiçoso da maior marca. E só de pensar que teria que fazer longas caminhadas para treinar nos velhos tempos de um transporte coletivo urbano precário na Grande Cuiabá era um obstáculo intransponível para quem só queria saber de sombra e água fresca...

Dominado pela preguiça, Priss praticamente parou com o futebol quando os apaixonados atleticanos irmãos Matozzo (Décio, Áureo e Acir, este já falecido) passaram o comando do Atlético Mato-grossense para os irmãos Oliveira, do extinto Banco do Estado de Mato Grosso -- Bemat e que sob a nova direção entrou logo em processo de acelerado declínio até se extinguir. E só de vez em quando participava de uma ou outra “peladinha” no velho bairro do Porto, onde nasceu e sempre viveu, faz 69 anos, contanto que não precisasse correr...

Porém, não se afastou do futebol e continua frequentando o famoso campo do Bode, palco de memoráveis campeonatos e “peladas”, regadas a muitas mordomias, principalmente às segundas-feiras, dia folga quase obrigatória de milhares de pessoas que gravitam em torno do Terminal Atacadista do Porto. E virou também corneteiro de carteirinha da boleirada da tradicional feira e do populoso bairro.

Aos mais íntimos, Priss não se cansa de fazer ácidas críticas pelas suas falhas e engrossadas em jogos oficiais ou “peladas” no campo do Bode: “A sorte de vocês é que as bolas não falam. Se falassem, vocês iam ouvir muito lamento e até xingamentos pelos maus tratos que elas recebem de vocês. Bola é para ser acariciada com carinho, com amor e não ser pisada, chutada de bico e maltratada como vocês fazem com elas” – repete sempre para a rapaziada do Porto...