Giorge Fava, velho dombosquino |
Muito antes do futebol sair
da transição do amadorismo para o profissionalismo em Mato Grosso, o que se
consumou em 1967, passou pelo Dom Bosco o center
half César – posição que corresponde hoje ao médio volante – e que era
chegadinho numa macumbinha. Na sua crença, ele não media sacrifícios – ia
longe, se preciso fosse... – atrás de terreiros de macumba em busca de ajuda do
além no futebol.
Uma vez, César foi procurar
o dono da concessionária da Volkswagen em Cuiabá, Geórgio Fava, que na condição
de associado do clube e de vez em quando até como jogador do time aspirante do Dom
Bosco, na medida do possível, colaborava com o azulão. Inclusive passou muitos anos
pulando da cama às 4 horas da madrugada para com sua Kombi ir buscar jogadores
para ts treinos matinais.
Demonstrando grande preocupação,
César disse a Fava que era preciso tomar uma providência urgente...
– Mas que providência,
homem? – questionou Fava...
César foi direto ao assunto:
o jogo de domingo do Dom Bosco pelo Campeonato Cuiabano de Futebol era contra o
Internacional, um time suburbano sem nenhuma expressão, mas que tinha como
presidente um “congueiro” da pesada. E lembrou a Fava que na rodada anterior, o
Internacional havia derrotado o poderoso Mixto, o grande rival do Dom Bosco,
por 1x0...
Para tranquilizar César, Fava
garantiu-lhe já tinha ido procurar um famoso macumbeiro de um terreiro que
ficava às margens da estrada que ligava Cuiabá a Barão de Melgaço, partindo da
BR 163, na serra de São Vicente – uma opção que existe até agora – para
encomendar um “trabalho” daqueles para proteger o Dom Bosco contra o
Internacional e seu presidente “congueiro”.
Dois dias depois, um
dirigente do azulão procurou Fava para lhe dizer que César o havia convencido a
levá-lo ao terreiro onde o dombosquino não tinha ido coisa nenhuma para
comprovar se o “trabalho” havia sido feito mesmo. Para sorte de Fava, o pai de
santo havia viajado e ninguém sabia quando ele ia voltar...
Às vésperas do jogo, Fava
comunicou a César que havia reforçado mesmo o “trabalho” do terreiro do
interior com um outro em uma tenda do lendário bairro Cruz Preta, de Cuiabá. A
tenda ficava nas imediações da Rua Benedito Leite, quase esquina com a Barão de
Melgaço.
César queria porque queria conhecer o lugar, mas Fava foi irredutível: “O pai de
santo vai nos ajudar, mas não quer falar com ninguém. Só falou comigo! Não
adianta insistir!...”
Na realidade, Fava havia inventado as duas histórias, era tudo uma grande
cascata...
No dia da partida, Fava
reuniu os dombosquinos já uniformizados no lugar onde trocaram de roupa e foi
curto e grosso: por ordem do pai de santo da tenda do bairro Cruz Preta todos tinha
que participar de uma prece, rezando um Pai Nosso e uma Ave Maria, que ele próprio
puxou, acompanhado pelos jogadores e alguns diretores, na mais profunda
contrição...
– Até hoje eu fico arrepiado
quando me lembro da demonstração de fé dos jogadores na hora da oração. Uma
coisa inacreditável... – revela Fava – que não se lembra do placar, mas garante
que o Dom Bosco, efeito ou não da fé ou da crença dos jogadores na macumba,
ganhou o jogo...
Velhos moradores das
imediações da calçada onde está fincada a cruz preta, que ainda hoje de vez em quando
amanhece com oferendas, dizem que nas proximidades do local funcionou durante
muitos anos uma tenda de um preto velho que só fazia o bem para a população do
bairro, receitando panaceias e benzendo crianças e adultos, curando suas
doenças e amenizando seus sofrimentos...
Perto dali existia também um
tronco onde eram açoitados os escravos de uma grande fazenda do século 18 em
Cuiabá e cuja sede administrativa funcionava onde fica hoje o Sesc Arsenal.
Certo dia, o feitor da
fazenda açoitou no local uma escrava e prostituta até a morte. Revoltada, a população da região queimou a cruz
que era de madeira e tempos depois mandou fazer a cruz preta, de ferro, que deu
nome ao bairro e está fincada, meio escondida, na calçada da Rua Benedito
Leite.
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